Ouvimos no decorrer da vida inúmeras vezes a frase, “o que não mata, fortalece”. Mas, será que é assim mesmo que funciona? Atravessamos muitos desertos existênciais, acumulamos perdas, somos assaltados inúmeras vezes pelo sofrimentos e acabamos perdendo a conta de quantas vezes precisamos nos colar e reunir forças para seguir.
Cecília Meireles, no poema Rimance, fala, dentre outras coisas do sofrimento e, a meu ver, também faz uma tentativa de nomeá-lo ao escrever, “onde é que dói na minha vida, para que eu não me sinta tão mal? Quem foi que me deixou ferida de ferimento tão mortal? Eu parei diante da paisagem: e levava uma flor na mão.”
Não importa em que lugar do mundo estejamos, sofreremos da mesma maneira. O sofrimento é igual em todas as culturas. Por isso que, quando vemos alguém sofrendo, tendemos a nos colocar no lugar dele. O poeta português Fernando Pessoa fala, no poema vendaval, das aflições da alma de forma precisa. “Ó vento do norte, tão fundo e tão frio, não achas, soprando por tanta solidão, deserto, penhasco, coval mais vazio que meu coração”.
Assim, vamos funcionando como instrumentos músicas nos quais as cordas, acertadamente tensionadas, emitem belíssimos acordes e, quando muito estiradas, rompem. Mas, quantas vezes somos exigidos ao extremo a ponto de adoecermos?
A forma autônoma da existência do sofrimento psiquíco foi revelada por Freud com a histeria. Muitas mulheres eram acometidas por dores e anormalidades corporais por não poderem expressar seus sentimentos. E, é justamente quando se viram validadas em suas dores que o psiquico ganhou dimensão.
No decorrer da história da humanidade vimos o sofrimento se transformar e ir ganhando novas características ao longo do tempo. Assim, na estrutura neurótica, depois da histeria, vieram sucessivamente, a neurastênia, a neurose narcísica, o borderline, as depressões, o pânico e a anorexia. Todos relacionados às transformações dos laços sociais, seja na sociedade, na familia, no trabalho ou nas relações consigo mesmo.
Mas será que podemos classificar esses sofrimentos como doenças mentais? Lacan é um dos que repudia o termo. Para ele as doenças têm uma causa independente do sujeito e podem ser detectada através de exames. Então, não sendo doença, a maneira de encontrar o sintoma é observar o momento que algo é exigido do sujeito. Se, por exemplo, a pessoa precisa sair de casa mas é detida de tal forma que não consegue sair ou, quando após fechar a porta, volta várias vezes para ver se fechou, mesmo sabendo que está fechada. Eis aí os sintomas. Portanto, nos transtornos, podemos dizer que o sujeito as causa, ainda que de forma inconsciente.
A forma como falamos e como somos escutados, muda como sentimos o sofrimento. Ferenczi diz que, nos casos de abuso sexual, quando a criança narra o acontecido e o adulto não a revalida, isto gera um trauma maior ainda que o primeiro. Um caso que também ilustra muito bem o efeito brutal do reconhecimento do sofrimento pelo outro é a história de Primo Levi, quimico e escritor italiano. Ele sobreviveu ao holocausto, mas não suportou viver e acabou suicidando. Levi sonhava todas as noites que chegava em casa, depois de escapar do campo de concentração, e sentava à mesa para comer com sua família. Então, começava a contar, em detalhes, tudo o que havia acontecido para que a humanidade soubesse da real história. Entretanto, ao começar a narrativa, as pessoas não lhe davam atenção. Umas levantavam da mesa, outras bocejavam, outras se espreguiçavam e, simplesmente, não reconheciam como verdade o que ele estava falando. Isso deixa muito claro a relação existente entre o sofrimento e o reconhecimento. Se o outro não reconhece o sofrimento, este acaba cronificando e tornando-se patológico. Essa experiência de perda da história, mesmo que em sonho, invadiu Primo Levi a ponto de preferir morrer.
A psicanálise se originou a partir da indagação sobre o sofrimento e, hoje, ela nos auxilia a entender os transtornos presentes na sociedade contemporânea em decorrência dos sintomas sociais. O que podemos afirmar é que as aflições não nos fortalecem, ao contrário, podem nos aniquilar. Mas, se o sofrimento for reconhecido como legitimo pelo outro, então será experimentado ontologicamente pelo sujeito. Portanto, a maneira como o reconhecemos e como fazemos o outro reconhecê-lo, transforma a nossa experiência de sofrimento.
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