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Um grupo de 38 pesquisadores renomados, representando disciplinas como biologia sintética, imunologia e química, publicou um artigo na revista Science pedindo uma proibição global de pesquisas que visem a criação de bactérias sintéticas de “vida espelho”. Segundo os autores, esses organismos poderiam representar uma ameaça catastrófica ao equilíbrio ecológico e à saúde global caso escapassem dos laboratórios.

As biomoléculas essenciais para a vida, como proteínas e ácidos nucleicos (DNA e RNA), existem em duas formas de imagem espelhada, semelhantes a mãos direita e esquerda. No entanto, apenas uma dessas formas é encontrada na natureza: proteínas, por exemplo, são “canhotas”, enquanto o DNA e o RNA são “destros”.

Nos últimos anos, avanços na biologia sintética permitiram a criação de moléculas e proteínas de espelho, usadas em medicamentos que resistem melhor à degradação enzimática no corpo humano. Apesar de seguros, esses avanços abriram caminho para pesquisas mais ousadas, como a criação de bactérias completamente espelhadas, que poderiam se reproduzir e interagir com organismos naturais.

De acordo com os pesquisadores, bactérias de vida espelho seriam altamente resistentes aos mecanismos naturais de defesa que regulam ecossistemas. Elas seriam indetectáveis pelo sistema imunológico, já que os sistemas imunes de animais evoluíram para reconhecer apenas moléculas naturais, essas bactérias seriam “invisíveis” até que já fosse tarde demais, explicou Timothy Hand, imunologista da Universidade de Pittsburgh e coautor do estudo.

Essas bactérias também resistiriam às enzimas naturais que normalmente atacam e digerem microrganismos, tornando-as potencialmente imparáveis em ambientes naturais, segundo John Glass, biólogo sintético do J. Craig Venter Institute.

Caso essas bactérias escapassem de laboratórios, poderiam se espalhar pelo ar, solo e água, contaminando ecossistemas inteiros. Qualquer exposição a poeira ou solo contaminado poderia ser fatal, advertiu Ruslan Medzhitov, imunologista da Universidade de Yale.

Jack Szostak, químico ganhador do Nobel em 2019, descreveu o potencial impacto como “danos irreversíveis, talvez piores do que qualquer desafio já enfrentado pela humanidade”. Ele e outros autores enfatizam que, mesmo que a criação dessas bactérias ainda esteja a pelo menos uma década de distância, a precaução é essencial. Katarzyna Adamala, bióloga sintética da Universidade de Minnesota, afirmou que antes via o desenvolvimento dessas bactérias como um avanço promissor para explorar os fundamentos da vida, mas mudou de ideia ao compreender os riscos. 

Entretanto, nem todos os cientistas concordam com a recomendação de proibir pesquisas nessa área. Gigi Gronvall, imunologista e especialista em biossegurança da Universidade Johns Hopkins, classificou as preocupações como “muito teóricas”. Segundo ela, a imposição de proibições pode sufocar avanços científicos inesperados. “A ciência reserva muitas surpresas”, afirmou.

Andrew Ellington, biólogo sintético da Universidade do Texas, comparou a proposta a “banir o transistor porque se teme o cibercrime daqui a 30 anos”. Ele questiona se bactérias de imagem espelhada poderiam realmente competir com organismos naturais altamente adaptados aos seus ambientes.

Os autores do artigo argumentam que os riscos superam os benefícios potenciais. Timothy Hand alerta que, mesmo que essas bactérias cresçam lentamente, poderiam ser imparáveis. Jack Szostak reforça que o melhor caminho é simplesmente não explorar esse tipo de pesquisa. “Não devemos abrir essa porta”.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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