Fugi de casa. Acho que essa é minha lembrança mais antiga. Tinha uns três anos de idade. Sumi. Minha mãe enlouqueceu. Pensava em ligar para a Polícia. Fui encontrado passeando no elevador do prédio. Encolhido, em um canto, lembro da porta abrindo, minha mãe gritando e nada mais. Foi mal, mãe.
Meu avô era amigo do cônsul da Inglaterra. Houve negociações e de repente virei aluno de inglês de uma de suas filhas, que se tornou uma das pessoas mais importantes na minha vida. Ela tinha 16 e eu, oito anos. Linda, charmosa, paciente, cheia de amor, despertou-me a curiosidade pela língua. Partiu de Belém e a reencontrei 50 anos depois, quando me devolveu o caderno em que escrevia minhas lições. Bem antes, houve uma recepção no consulado, que ficava ali, na subida da Presidente Vargas, prédio da Booth Line, desgraçadamente derrubado e em seu lugar, colocado um monstrengo. Mas sim, entrei com meus pais e minha professora me levou até o cônsul, que me saudou, Hello, how do you do? Encabulado, estraguei tudo ao responder, olhando para ela, “ainda não dei isso”. Foi mal.
Bem pequeno, mas atento a tudo, estava entediado em casa, enquanto minha mãe conversava com uma vizinha, senhora italiana que contava das saudades de sua terra e dizia, “minha amiga, o tempo passa”, ao que respondi, de imediato, “e a barba cresce”, tal como uma propaganda de Gillete, patrocinadora do futebol na Rádio Clube. Levei um beliscão doloroso e merecido. Foi mal.
Na primeira vez que fui a um estádio de futebol, foi no “Evandro Almeida”, popularmente chamado de “Baenão”. Era um clássico, não lembro qual. O jogo correndo e eu, sem entender muito bem aquilo, chamei meu irmão Edgar que, ao contrário dava total atenção ao prélio e o levei até a lateral da cabine. “Olha o tamanho da orelha daquele cara, na arquibancada”. Levei um peteleco. Ora bolas. Foi mal.
Coitado do Edgar. Estudávamos no Suiço Brasileiro. Ele foi chamado. Um problema comigo. Tímido, bem criança, não tive coragem de pedir à “teacher” para ir ao banheiro. Borrei as calças. Alguém precisava telefonar para casa e avisar para irem me buscar. Desculpa, brother, foi mal.
Ganhei de Natal um “Papa-Filas”, que era um ônibus bem grande e por isso, o apelido. Era domingo e fomos ao sítio. Logo, saí todo garboso para dar uma volta com meu presente. O problema foi na volta. Fui recebido com exclamações, ninguém entendeu nada. Mas é que saí com o “Papa-Filas” e voltei com um caminhão feito artesanalmente com uma lata de Querosene Jacaré, rodas de tampinhas e outros detalhes. Expliquei que fiz uma troca, com o filho do caseiro. Achei mais bonito, criativo. Houve uma intensa negociação e fiquei com o caminhão. Acho que fui bem.
O Edgar, lá vai ele, me convidou para um jogo de botão. O time dele era o Botafogo, aquele do Didi, Nilton Santos, Zagalo, bem famoso. Minha cabeça infantil rodando imaginação, me fez dizer que o nome do meu time era Atlantic. Na verdade recortei de um anúncio a logo de um posto de gasolina. Pior foi na hora de entrar em campo. Meu time era feito de tampas de remédio. E a escalação tinha o zagueiro Simbad, o volante era D’Artagnan, mais Robin Hood e outros que tal. No início recusou-se a jogar. Poxa, mano, foi mal. Adiante, viramos parceiros, com times do campeonato carioca. Era muito bom. Pior foi quando houve um torneio com meus colegas. Sergio Zumero, meu irmão de vida, mas já com muita verve, colocou seu time do Remo em campo. Espera aí, quem é este centro avante? Candidamente, respondeu: Sergio. Sou eu, de centro avante. Houve reunião no STJD para deliberar a respeito. Foi ótimo.
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