Quantos filmes, livros, músicas e outras formas de arte serão suficientes para a compreensão do que foi a ditadura militar na política brasileira no período de 1º de abril de 1964 até 15 de março de 1985? No filme “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, podemos constatar que esse gênero cinematográfico (filmes sobre regimes de exceção) está longe de se esgotar, assim como as estratégias para emplacar reconhecimento da crítica, inserções em redes sociais, sucesso de público com mais 1 milhão de espectadores e a inclusão na cerimônia do Oscar 2025.
“Ainda estou aqui” é um drama com atuações marcantes de Selton Mello, Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. A narrativa aborda, de forma gradual e emocional, sobre a loucura que se instalou na família de Rubens Paiva, engenheiro civil e político que desapareceu durante o regime militar no Brasil.
Salles divide o filme em duas partes e um epílogo. A primeira é solar, com ecos da contracultura no Brasil, encontro de amigos e afetividade entre os membros da família. As imagens captadas em Super 8 remetem a uma tonalidade de película para marcar os ritos da passagem de um tempo que se foi. O Super 8 foi lançado em 1965 pela Kodak, evoluiu para a película de 8 mm e se tornou popular entre cineastas amadores.
A segunda parte é sombria e acompanha a perseverança e força de uma mulher, Eunice Paiva, que não sucumbiu às torturas psicológicas, perdas e queda no padrão de vida, prisão injustificada e outros infortúnios decorrentes de um estado de coisas que estabeleceu restrição de direitos políticos, censura à imprensa, perseguição e intimidação policial aos opositores de um regime caracterizado pela falta de eleições transparentes e maior controle do Estado na vida dos cidadãos.
O cinema humanista de Walter Salles é conhecido pelo público ao abordar temas sobre a capacidade do ser humano em dar sentido à vida. Aqui, o humano, com falhas e virtudes, é o centro das questões, o que pode ser visto em “Jia Zhang-ke, um homem de Fenyang” (2015); “Na estrada” (2012); “Diários de motocicleta” (2004); “Abril despedaçado” (2001), “Central do Brasil” (1998) e “A grande arte” (1991). Há também “Água negra” (2005) e os filmes realizados em parceria com Daniela Thomas: “Terra estrangeira” (1995), “O primeiro dia” (2000) e “Linha de passe” (2008).
O roteiro elaborado para “Ainda estou aqui” (de Murilo Hauser e Heitor Lorega), premiado no Festival de Veneza, faz uma viagem no tempo para os ensolarados e fúnebres anos 70, com destaque para a influência da contracultura para um período monumental da Música Popular Brasileira. A contracultura é um movimento que questiona a cultura vigente, normas e padrões culturais dominantes.
No filme, os desdobramentos da onda contracultural marcam presença como resistência na trilha sonora com as canções de Tim Maia, Tom Zé, Os Mutantes, Roberto Carlos, Caetano Veloso e Gal Costa. E a canção de Erasmo Carlos, “É preciso dar um jeito, meu amigo”, capta bem o espírito da época.
A exibição de “Ainda estou aqui” conquista novas plateias para um tema espinhoso na história do Brasil. Filmes sobre a ditadura e temas relacionados fazem parte da cinematografia nacional e vale a pena a busca ativa no streaming e outras plataformas digitais para títulos como:
O caso dos irmãos Naves (1967), de Luís Sérgio Person
Eles não usam black-tie (1981), de por Leon Hirszman
Pra frente, Brasil (1982), Roberto Farias
Nunca fomos tão felizes (1984), Murilo Salles
Cabra marcado para morrer (1984), Eduardo Coutinho
Que bom te ver viva (1989), de Lucia Murat
Anos rebeldes, série para TV aberta com texto de Gilberto Braga e direção de Dennis Carvalho, Ivan Zettel e Silvio Tendler (1992)
Lamarca (1994), Sérgio Rezende
O que é isso, companheiro? (1997), Bruno Barreto
Ação entre amigos (1998), Beto Brant
Zuzu Angel (2006), de Sergio Rezende
O ano em que meus pais saíram de férias (2006), Cao Hamburger
Batismo de sangue (2007), Helvécio Ratton
Torre das donzelas (2018), de Susanna Lira
Marighella (2021), Wagner Moura e tantos outros.
Comentários