Comprei o livro em uma livraria em um dos aeroportos por aí, que vendem apenas best sellers e auto-ajuda. Comprei por Espinosa. Achei que não ia gostar. Muito comercial, talvez. Li alguns escritos do filósofo e depois, um poema de Fernando Pessoa a respeito de Deus, me conquistou. Não quero, nem penso em discutir religião com ninguém. Nem tenho preparo. Mas essa leitura me deu grande prazer. José Rodrigues dos Santos é moçambicano, com formação de em doutorado, jornalista da RTP e conquistou vários prêmios no mercado literário da língua portuguesa. Ele romanceia a vida deste judeu português cuja família foi para a Nederland, como muitas, fugindo da Inquisição em Portugal. Alguns vieram para Recife, onde fundaram a primeira sinagoga e depois compraram a ilha de Manhattan. E por aí, vai. Para proteger a pequena comunidade, os judeus tinham regras rígidas, inclusive a respeito de casamentos entre os da mesma crença. Bento de Espinosa muito cedo começou a duvidar. Estudou profundamente Decartes, que já havia chocado muitos na procura pela razão, que deveria ser a grande busca dos seres humanos, os animais que pensam. Estudou profundamente as Escrituras, Bíblia e tudo o mais. Começou a perguntar. Foi chamado por um grupo de adultos que também estudavam os livros sagrados e queriam respostas às suas dúvidas. Descoberto, foi excomungado na sinagoga, sendo proibido dirigir-lhe a palavra, inclusive a família. Protegido pelos alunos, seguiu de cidade em cidade, através do método da dedução, chegando a respostas perturbadoras. Como Moysés teria escrito o Velho Testamento, se lá está em terceira pessoa, descrevendo acontecimentos? Se Deus é tudo, criou tudo, como existem os milagres? Se ele criou tudo perfeitamente, as leis da natureza, como iria contra as leis apenas para favorecer este ou aquele? Abrir uma passagem no Mar Vermelho apenas para os judeus passarem? O Bem e o Mal não vêm de Deus e sim da cabeça dos homens. O que é bom para um, pode ser mau para o outro, dependendo da situação criada por nós. O diabo não existe, pois se Deus é tudo, é uno, só existe o Bem que ele criou. Se houvesse o diabo, Deus não seria uno, tudo. E se Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, então ele é como um humano e estaria onde? Bom, os judeus não representam Deus em figura humana. Lança seu primeiro livro em latim, para não provocar os holandeses e mesmo assim é chamado de herético e perseguido. Tem uma certa proteção da espécie de síndico dos sete estados independentes que formavam o país, De Witt, autoridade bem liberal. O segundo livro sai sem autoria e ainda é mais provocativo. Companheiros de estrada são presos e morrem. Ele troca de cidade e casa. Amigos ricos morrem e deixam-lhe herança que não aceita. Somente estuda, dá aulas e lança livros. Sua última obra, que não viu impressa, sugere que os Estados sejam laicos, outro escândalo, mas condição hoje usada em milhares de países, inclusive o Brasil, embora a igreja católica tenha suas vantagens e os evangélicos tenham projeto de poder difícil de controlar. Espinosa quer que tudo seja discutido à luz da razão. Apaixona-se mas a mulher é católica e somente aceita casar se houver conversão. Não houve. Tosse constantemente em função de tísica e de absorver pó de sílica das lentes que fabrica e vende. De Vitt é assassinado e assume Guilherme, da família Vidal, que reinou em Pernambuco, lembram das aulas de História? A perseguição aumenta, mas ele se vai antes, abatido pelas doenças. Das razões de Espinosa, em muitas estou com ele. Em outras, acho que ao longo do tempo houve discussões elucidativas a respeito. Em outros casos fazemos sempre uma releitura do que está escrito, trazendo para os novos tempos. Mas sou uma pessoa em constante dúvida de tudo. Isso me move. Espinosa é alguém que merece ser lido, seja no original, seja neste romance muito bem escrito.
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