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Em 7 de janeiro de 1835 eclodiu a Cabanagem, a maior revolução popular brasileira, marco da história da Amazônia, do Pará e do Brasil, ainda hoje um desafio instigante para ser compreendida em sua real dimensão. O maior historiador da Cabanagem, Domingos Antônio Raiol, registra que o movimento resultou de uma sucessão de motins políticos, título do seu livro “Motins Políticos”, publicado em cinco tomos, entre 1865 e 1890, escrito 30 anos depois dos acontecimentos violentos e sangrentos (Raiol, Domingos Antônio. Motins Políticos ou História dos Principais Acontecimentos
Políticos na Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835. Coleção Amazônica, Série
José Veríssimo, Belém, Universidade Federal do Pará, 1970). Raiol era da Vigia, o núcleo europeu mais antigo do hinterland amazônico que resistiu aos cabanos. Tinha o título nobiliárquico de barão do Guajará. Seu pai, um português, foi morto pelos revoltosos. Eis alguns trechos de sua obra, um clássico que eterniza em suas páginas o drama daqueles dias conturbados:

Quem dera que as páginas sangrentas da história paraense possam inspirar lições salutares de moralidade aos pregoeiros das más doutrinas, aos instigadores das multidões contra as leis e os princípios de justiça, com sacrifício da ordem e das próprias garantias individuais. Os erros de uns hoje geram os erros de outros amanhã.” (Raiol, 1970: 920).

Como entre os romanos a luta incandescente dos plebeus contra os patrícios,
assim a revolta dos cabanos desenvolveu-se sem tréguas contra várias classes,
porém mais encarniçada e cruel, por não ter nenhum princípio ou interesse geral
que lhe servisse de móvel
“. (Raiol, 1970: 925). 

“As multidões agitadas não aceitam contraditas nem correções penais aos seus desatinos; são inconstantes e insaciáveis; como elevam, assim abatem. Sirva-nos de lição a antiga Roma: as legiões pretorianas em menos de um ano confiaram o poder supremo e sucessivamente assassinaram a Galba, a Óton e a Vitélio. Além das indisposições pelos castigos infligidos, havia ainda contra Eduardo Angelim o descontentamento pelas preterições nas nomeações de empregos, nos quais os rebeldes esperavam ser contemplados”. (Raiol, 1970: 935). 

Descrevendo a tirania de um Verres, a ambição de um Catilina, (…) a história
demonstra que as calamidades públicas provêm quase sempre do ódio, da inveja,
da coleta, do orgulho, do amor-próprio desordenado, desses outros sentimentos
que transviam o coração humano. E descrevendo a abnegação de um Sêneca, o
patriotismo de um Catão, o afeto filial de um Coriolano, produz a emulação por
essas grandes virtudes que arrastam o homem aos sublimes cometimentos de
heroísmo por amor da humanidade, da pátria e da família.”
(Raiol, 1970: 416). 

Outra obra importante sobre o período é a peça teatral escrita por Nazareno Tourinho (Cabanagem, editora Paka-Tatu, 66 páginas) talvez o mais antigo dramaturgo do País ainda em atividade, que oferece ao público um roteiro esquemático e didático da Cabanagem.
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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