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Uma noite quente, nesse outubro que parte, dando lugar a novembro que traz consigo a COP 30, tão aguardada e badalada. Fomos ao Teatro assistir “Sagração”, espetáculo da Companhia Debora Colker, famosa internacionalmente. Após, fica aquele “onde vamos?”Um sugere para irem todos à Esther, uma lanchonete na Cidade Velha que reúne artistas em todos os gêneros, pela simpatia de sua proprietária, cujo nome já incluí em um ou dois dos meus romances. É uma noite quente e ocupamos uma mesa na lateral da rua, como tantos bares e lanchonetes da cidade. Certamente o grande motivo é receber alguma ventilação para mitigar a quentura na cidade. Ao nosso lado, em uma mesa, umas quatro pessoas, um homem já grisalho, tendo ao colo uma bengala e diante de si, cerveja e copos espalhados. Sentado de costas para a rua, à minha frente, em uma mesa, um casal jovem e sua filha de uns quatro anos de idade, talvez. A conversa estava boa. Teatro, para variar. Mas de repente, tudo mudou. Ouço um ruído, olho para o lado e a mesa onde estava o senhor e mais três mulheres sai pelos ares, um carro tipo SUV avança célere, passa por cima da mesa que estava à minha frente e para no muro, quase invadindo o interior da lanchonete. Todos gritam, há pandemônio, pulo por cima dos destroços e vou até o homem que estava à minha frente e está com as pernas para baixo do carro, em choque. Ele grita que sua filhinha está debaixo do carro e todos corremos para averiguar. Não há tempo para pensar. Não, alguém mostra a criança nos braços de outro frequentador. Mas sim, há alguém debaixo do veículo. A mãe reaparece, com um corte na testa e eu forço o marido a levantar-se, saindo do choque. Todos estão em volta do carro onde há um casal. Uma mulher ao volante. A porta a seu lado não pode ser aberta, pressionada por um canteiro atingido. Mas não saem, com medo da multidão. Alguns, que já estavam mais encharcados, ficam muito enraivecidos, proclamando impropriedades. Outros sacam os celulares e ligam para Samu e Polícia. O instante seguinte é de pessoas atarantadas pelo susto, o casal sentado, a filhinha também sangrando na boca, todos em choque, mas sentados. As pessoas juntam os destroços, mesas e cadeiras, garrafas e copos quebrados. Na vala, a bengala, quebrada. A proprietária está sem conseguir dizer qualquer coisa e é amparada por todos que a conhecem. A mulher que estava embaixo do carro é retirada e está desacordada. De ferimentos aparentes, somente escoriações. Chega a ambulância e ela prontamente é levada de maca para o hospital. A Polícia estabelece um perímetro de segurança e vai até o casal dentro do carro. Polidamente, o soldado pede que saiam do veículo. Eles hesitam, mas para gáudio da multidão, finalmente saem. Alguns exaltados proferem palavrões. É uma mulher de meia idade, loura e gritam para a examinarem com bafômetro, garantindo que está alcoolizada. De maneira segura é levada para a viatura policial. O que aconteceu com o homem que a acompanhava, não sei. No tumulto, não vi mais. Logo apareceram outras viaturas e guardas. Esther fechou a lanchonete. Não havia clima. Passaremos depois para pagar a conta. Ela não merece ainda ficar com mais prejuízo. Todos muito tensos, demorou a passar. É muito rápido. Passou ao meu lado. Em fração de segundos uma vida inteira se esvai. E a motorista? Havia bebido? Errou a curva? Estava brigando com o companheiro, alguém tocou o guidom e proporcionou o acidente? Só sei que estou vivo. Assustado, mas vivo.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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