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A primeira coisa que experimentamos ao nascer é o desamparo. Mas será que não poderíamos afirmar que o que está, de fato, por trás dele é o medo? No decorrer de nossas vida vemos o medo se expressar de diversas formas, seja na dificuldade de dizer não, na necessidade de agradar aos outros ou camuflado em algum transtorno.

É comum, diante de determinados acontecimentos, a criança internalizar que o mundo não é um lugar seguro, que suas dores não são acolhidas e que a garantia do amor de seus pais está condicionada à sua performance. Então, para ser amada precisa ser obediente, alegre e agradável, engolir choro para ocultar sua dor e esconder o que sente para não demonstrar fraqueza. Tudo em prol do olhar de aprovação do outro. Mas essa necessidade de provar seu valor e de garantir que não será abandonado gera ansiedade, um medo terrível do fracasso e, em muitos casos, a aceitação de relacionamentos abusivos, em face da dificuldade de estabelecer limites entre o que é saudável e o que é danoso.

É inaceitável atribuir a causa da ansiedade, única e exclusivamente, a um desequilíbrio químico cerebral, como se arvoram alguns profissionais da área de saúde. Quadros de medo podem referir-se a um corpo que protesta, que grita por autenticidade, depois de calado por anos a fio.

Excesso de críticas e pressão dos pais para garantir a excelência de desempenho vão contribuir, substancialmente, para torná-los adultos inseguros e que se desestabilizam frente a qualquer situação que fuja minimamente do controle. O medo que surge é a atualização daquele controle perdido há muito e que precisou ser escondido do olhar alheio.

A desdita é que a sociedade enaltece produtividade, força, sucesso e julga de acordo com esses preceitos. Daí, qualquer demonstração de fragilidade é motivo para rotular o indivíduo como fraco, incapaz, incompetente, etc. Isso justifica o estado de alerta e de preocupação em que a pessoa se enreda, aprisionando-se num círculo onde não vê saída e se torna refém do medo de um pior que está sempre prestes a acontecer, além de criar monstros que não existem.

O medo rouba a coragem de viver; rouba a audácia de ser autêntico; rouba a clareza da visão, mostrando apenas caminhos tortuosos cheios de perigos e nunca rotas variadas; rouba a mobilidade, condenando à inèrcia diante do desconhecido; rouba a possibilidade do convívio consigo mesmo, porque no silêncio se é obrigado a escutar o grito que vem das entranhas; rouba a capacidade de indignação diante da injustiça, da violência, da falta de ética e do horror; rouba a possibilidade de novos encontros, porque no amor perde-se o controle e toda vulnerabilidade é exposta. O medo vai silenciando cada dia um pouco mais até tornar o sujeito completo cativo.

Quando morre o medo, morrem todos os monstros. Mas para vencê-lo é preciso lidar com as feridas do passado e tentar descobrir onde dói. Aceitar que somos imperfeitos e vulneráveis, que tudo pode acontecer a qualquer momento e que o valor da vida não está no tempo, mas na intensidade, pode ser um grande começo. Acredite nessa profunda verdade dita por Clarice Lispector: depois do medo, vem o mundo.

France Florenzano
France Florenzano é psicanalista, pós-graduada em Suicidologia pela Universidade de São Caetano do Sul. Whatsapp: (091)99111-5350 Instagram: psifranceflorenzano

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