Publicado em: 1 de agosto de 2025
Três botos foram avistados e filmados ao largo de Cascais e Lisboa na última quarta-feira, dia 30 de agosto. O registro foi feito por Sidónio Paes, biólogo marinho e proprietário da SeaEO Tours, que opera passeios de observação de cetáceos desde 2018. A filmagem, captada com recurso a drone, foi publicada nas redes sociais da empresa e mostra um raro momento de encontro com uma das espécies mais esquivas da fauna marinha portuguesa.
Calma, mas não se trata de aventureiros que resolveram emigrar para Portugal para encantar umas chavalas. Embora todos sejam cetáceos (ou seja, mamíferos aquáticos adaptados à vida nos rios e mares) os Phocoena phocoena, conhecidos como toninha-comum ou marsuíno-comum (e que eu tomarei a liberdade de chamar de “boto-tuga”), que foram avistados na costa de Lisboa, pertencem a grupos biológicos distintos dos botos da Amazônia, separados por milhões de anos de evolução e por contextos ecológicos muito diferentes.
A palavra portuguesa “boto” é historicamente usada em Portugal para designar, de forma genérica, golfinhos e cetáceos semelhantes. No entanto, o termo caiu em desuso no país ao longo do século XX, permanecendo ativo sobretudo entre comunidades piscatórias do Norte, onde ainda é utilizado para referir-se especificamente à toninha-comum. Já no Brasil, “boto” tornou-se sinônimo popular de várias espécies de golfinhos, sobretudo as de água doce, como o boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis), nativo da Amazônia, e o boto-tucuxi (Sotalia fluviatilis), entre outros cetáceos sul-americanos.
A distinção entre botos, golfinhos e baleias nem sempre é clara para o público geral, mas é fundamental para a ciência e para a conservação marinha.
Apesar de partilharem o mesmo grupo biológico (cetáceos) o “boto-tuga” e os botos da Amazônia revelam como a evolução moldou criaturas semelhantes para mundos radicalmente diferentes: o frio dos mares do norte e a vastidão cálida e cheia de vida dos rios amazônicos.
O “boto-tuga” é encontrado em águas frias do hemisfério norte, principalmente no Atlântico Norte, Mar do Norte, Mar Báltico e partes do Pacífico Norte. Habita regiões costeiras e estuarinas temperadas. Já o Boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e o boto-tucuxi (Sotalia fluviatilis) são espécies exclusivamente sul-americanas. O boto-cor-de-rosa habita os principais rios da Amazônia, do Orinoco e do rio Madeira, enquanto o tucuxi é encontrado tanto em rios quanto em regiões costeiras da bacia amazônica.
Enquanto o “boto-tuga” é discreto, solitário ou vive em pequenos grupos, costuma evitar barcos e é muito sensível à poluição sonora, o boto-cor-de-rosa é notavelmente inteligente e curioso, e costuma interagir com humanos e outros animais. O boto-tucuxi é ainda mais ágil e saltador que o boto-cor-de-rosa e costuma formar grupos maiores mas, assim como o “tuga”, é tímido e difícil de observar na natureza.
Apesar de se estimar a existência de cerca de dois mil indivíduos que habitam em estado selvagem as águas costeiras de Portugal continental, ver um “boto-tuga” continua a ser excecional. Classificada como vulnerável pela Convenção das Nações Unidas sobre a Conservação das Espécies Migratórias de Animais Silvestres (CMS), a espécie enfrenta ameaças crescentes, sobretudo devido à captura acidental em redes de pesca e à poluição sonora subaquática. A sua conservação é considerada prioritária por biólogos e entidades ambientais europeias.
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