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Vamos falar de Rabindranath Tagore?  Também conhecido como Gurudev, o poeta, escritor, filósofo e educador bengali viveu entre 1861–1941. Eu o conheci depois de ler uma conversa entre ele e Einstein. Foi um expoente da literatura indiana e mundial. Foi o primeiro não europeu a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1913,  por sua coletânea Gitanjali (Oferenda Lírica).

Gitanjali é uma coletânea de 103 poemas líricos, publicada em 1910, em bengali, e traduzida para o inglês, em 1912, que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1913. A obra trata sobre a espiritualidade, o humanismo e a conexão profunda com a natureza.

Trecho de Gitanjali:

“Onde a mente é sem medo e a cabeça se ergue alta, / Onde o conhecimento é livre… / Nesse paraíso de liberdade, meu Pai, deixa meu país despertar”.

A obra de Tagore é vasta, entre poesia, romances, contos, peças teatrais, ensaios, canções, os Rabindra Sangeet, e até pinturas. Tagore nos brinda com uma visão de mundo profundamente humanista, espiritual e universalista.

Tagore nasceu em Calcutá, no auge do Renascimento Bengali, um movimento que buscava revitalizar a cultura indiana no auge do domínio colonial britânico. Ele foi Influenciado pelo misticismo dos  Upanishads, pelo sufismo, pela poesia devocional indiana, de Kabir, v. g., e por ideias ocidentais. A obra de Tagore transcende fronteiras culturais. Ele rejeitava tanto o nacionalismo estreito quanto o materialismo ocidental, promovendo uma visão de unidade universal, onde o ser humano, a natureza e o divino estão conectados.

Sua escola em Shantiniketan, hoje, Universidade Visva-Bharati, reflete o  ideal de Tagore, promovendo uma educação holística que integra arte, natureza e humanismo. A obra de Tagore é multifacetada, mas alguns temas recorrentes ajudam a compreender a sua essência.

A obra de Tagore transpira  uma espiritualidade que não se limita a dogmas religiosos, mas a busca do divino na simplicidade da vida cotidiana, na natureza e nas relações humanas. O poema “Onde a mente é sem medo” revela sua crença em uma divindade acessível, presente no amor, na criação e na luta pela liberdade.

 A natureza é um elemento central em sua poesia e em sua prosa. Para Tagore, o mundo natural é uma manifestação do divino, e o ser humano deve viver em harmonia com ele. Em obras como Chokher Bali, um romance, e seus poemas, a natureza reflete estados emocionais e espirituais, funcionando como metáfora para a alma humana.

O amor, em suas formas romântica, familiar e universal, permeia a obra de Tagore. Os romances Gora e The Home and the World (Ghare-Baire), exploram as tensões entre amor pessoal e dever social, frequentemente em contextos de conflitos culturais ou políticos. Seu amor é tanto terreno quanto transcendental, unindo o físico e o espiritual.

O autor era um crítico do colonialismo, do nacionalismo agressivo e das divisões de casta e gênero. Em Gora ele aborda a identidade indiana e o fanatismo religioso, enquanto em The Home and the World examina o impacto do movimento nacionalista Swadeshi nas relações pessoais. Ele defendia uma sociedade igualitária, onde a liberdade individual e a justiça social coexistissem.

A ideia de liberdade  mental, espiritual e política  é central em Tagore. O autor defendia que a verdadeira libertação vinha do autoconhecimento e da emancipação da mente, como expresso em seu famoso verso de Gitanjali:

 “Onde a mente é sem medo e a cabeça se ergue alta”.

Ele via a educação e a arte como ferramentas para essa libertação.

O estilo de Tagore é marcado pela simplicidade lírica, mas carregado de profundidade filosófica. Sua poesia, especialmente em Gitanjali, combina imagens sensoriais com reflexões metafísicas, criando um ambiente contemplativo e universal. Em bengali, sua linguagem é melódica, aproveitando a riqueza rítmica da língua, o que se reflete em suas mais de 2.000 canções (Rabindra Sangeet) que ainda são amplamente cantadas em Bengala.

Nos romances e contos, Tagore apresenta o enredo de um realismo psicológico, explorando os conflitos internos de seus personagens com empatia. Suas narrativas frequentemente questionam normas sociais, como o papel da mulher (em Chokher Bali ou Char Adhyay) e a rigidez das tradições. Suas peças, como The Post Office (Dak Ghar), usam simbolismo para abordar temas de morte, liberdade e transcendência.

A obra de Tagore é conhecida globalmente por sua universalidade. Gitanjali, traduzido por ele mesmo para o inglês, impressionou figuras como W.B. Yeats e levou ao seu Nobel. Sua visão de um mundo unido por valores humanistas inspirou movimentos de independência na Índia e diálogos interculturais. Suas canções e seus poemas continuam a ser parte da identidade cultural bengali, enquanto suas ideias sobre educação e harmonia influenciam pensadores e artistas em todo o mundo.

Um poema emblemático de Gitanjali (Poema 50) ilustra sua visão:

“Eu mergulhei no mar da forma, e encontrei a pérola do sem-forma.”

Aqui, Tagore sugere que a verdadeira essência da vida está além das aparências materiais, em uma realidade espiritual que transcende formas e limitações. A metáfora do mar e da pérola reflete sua crença na jornada da alma em direção ao divino, um tema recorrente em sua obra.

A obra de Tagore é um convite à introspecção, à celebração da humanidade e à busca por uma conexão mais profunda com o mundo e com o divino. Ele combina a riqueza da tradição indiana com uma perspectiva universalista, tornando-se um símbolo de diálogo entre culturas. Sua mensagem de liberdade, amor e harmonia, continua a inspirar a todos que o leem, especialmente em um mundo marcado por divisões.

O que mais me emociona em seus poemas é a sensibilidade. Na antologia Gitanjali (Oferenda Lírica), descrita pela Academia Sueca como “versos profundamente sensíveis, frescos e belos”, sua sensibilidade é o tema central. É uma das características mais marcantes de sua criação literária, permeando poesia, prosa, música e reflexões filosóficas.

O que define a sensibilidade de Tagore? A sensibilidade de Tagore pode ser entendida como uma profunda conexão emocional e espiritual com o mundo ao seu redor. Ela se manifesta de várias formas. Tagore via o divino não em templos ou rituais rígidos, mas na beleza cotidiana da natureza, na humanidade e na unidade universal.

 Seus poemas em Gitanjali expressam uma busca pela comunhão com o “Deus onipresente”, transcendendo religiões, raças e nações. Essa visão mística reflete uma sensibilidade que encanta tanto o Oriente quanto o Ocidente. Ele acreditava em uma “verdade universal” que une todos os seres; e a sua capacidade de expressar o sublime através de imagens simbólicas e líricas é o cerne dessa sensibilidade.

Seus versos são “vivos, de grande sentimentalismo e beleza”, como descreveu o comitê do prêmio Nobel. Tagore explorava os temas amor, perda, morte e aspiração à vida com uma delicadeza que toca a alma humana – no poema “Da Despedida”, reflete sobre a morte como parte da jornada da alma, aceitando-a com serenidade poética:

“No dia em que a morte vier bater à tua porta / que presente lhe entregarás?”.

Essa sensibilidade emocional é coloquial e naturalista, evitando a rigidez clássica, e apela para o belo de forma menos estética do que meditativa.

Compositor de mais de 2.000 canções (muitas se tornaram hinos nacionais da Índia e de Bangladesh), Tagore infundia musicalidade em sua poesia, com uma “sensibilidade inconfundível” em busca de espiritualidade genuína e luz. As obras Stray Birds (Pássaros Perdidos) e Fireflies (Pirilampos) usam formas concisas, os aforismos poéticos, para condensar sabedoria oriental com lirismo introspectivo. Sua sensibilidade também se estendia à educação: na Universidade Visva-Bharati (fundada em 1921, em Santiniketan, “Morada da Paz”), promoveu o ensino integrado à natureza, criticando a educação ocidental por separá-la da vida: uma aspiração que ele descreveu “ardente” desde a infância.

Trechos de poemas traduzidos para o português (Gitanjali):

“Deixai-me não rezar com palavras frias; / Deixai as minhas orações serem sinceras / E brotarem do coração transbordante.”

Essa simplicidade desnuda a sua sensibilidade espiritual, manifestando uma emoção autêntica.

De O Jardineiro 41:

“Queria te dizer as palavras mais profundas de amor, / mas não tenho coragem: tenho medo de que você ria delas.”

Neste excerto, a vulnerabilidade humana é capturada com delicadeza, mostrando medo e ternura.

Excerto de  A asa e a luz (título de uma coletânea) evoca a busca pela essência, e misturam-se melancolia e elevação:

“Emergindo do mar do informe, inexprimível! / As minhas asas morreram!”

Tagore modernizou a literatura bengali ao desprezar formas rígidas, incorporando lirismo, naturalismo e contemplação. Seus romances (Gora, Ghare-Baire),  contos e dramas também carregam essa marca, abordando temas políticos e pessoais com empatia profunda. Ele era um humanista universalista, crítico do nacionalismo e da opressão britânica, mas sempre guiado por uma sensibilidade que via a interconexão de tudo.

A memorável conversa com Albert Einstein

A conversa Einstein-Tagore foi um diálogo memorável travado entre o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) e o poeta, filósofo e músico indiano Rabindranath Tagore,  que ocorreu em 14 de julho de 1930, na casa de Einstein, em Caputh, nos arredores de Berlim.

Tagore estava em turnê de palestras pela Europa, promovendo sua filosofia da “Religião do Homem”. Einstein, conhecido pela teoria da relatividade, recebeu o visitante com admiração mútua. Eles se encontraram pelo menos mais três vezes em 1930 (em 19 de agosto em Berlim, setembro em Berlim e dezembro em Nova York), mas o encontro de julho é o mais documentado e editado.

Essa conversa, registrada e publicada pela primeira vez no Modern Review, em janeiro de 1931, e depois em jornais, como o New York Times, com a manchete “Einstein and Tagore Plumb the Truth”, os dois exploraram temas profundos, sobre a natureza da verdade, da realidade, da beleza, da consciência humana e do contraste entre ciência ocidental e espiritualidade oriental.

Einstein defendia uma visão objetiva e independente da ciência, enquanto Tagore enfatizava o papel subjetivo da mente humana na percepção da verdade. Apesar de diferenças, o diálogo foi respeitoso e estimulante, destacando a tensão entre racionalismo científico e intuição filosófica. Einstein mais tarde descreveu o encontro como “não muito bem-sucedido, devido a dificuldades de comunicação”, mas contribuiu para um livro em homenagem ao 70º aniversário de Tagore, em 1931.

Abaixo, um trecho traduzido e adaptado da conversa principal de 14 de julho de 1930, focando nos temas centrais e baseado em transcrições originais publicadas. A tradução é para o português, mantendo o conteúdo original.

Trecho da Conversa: Sobre a Natureza da Verdade e da Realidade

Einstein: você acredita no Divino como algo isolado do mundo? 

Tagore:  Não isolado. A personalidade infinita do Homem compreende o Universo. Não pode haver nada que não possa ser subsumido pela personalidade humana, e isso prova que a Verdade do Universo é a Verdade humana. Eu tomei um fato científico para explicar isso — A matéria é composta de prótons e elétrons, com lacunas entre eles; mas a matéria pode parecer sólida. Da mesma forma, a humanidade é composta de indivíduos, mas eles têm sua interconexão de relacionamento humano, que dá unidade viva ao mundo do homem. A verdade, portanto, vem à medida que nossa consciência se alarga e chega a um entendimento mais amplo do mundo. 

Einstein: o problema começa se a Verdade é independente da nossa consciência. 

Tagore: o que chamamos de verdade está na harmonia racional entre os aspectos subjetivo e objetivo da realidade, ambos pertencentes ao super-homem pessoal. 

Einstein: na física, buscamos leis que sejam independentes do observador. A Verdade deve ser objetiva, como as leis da matemática ou da física. 

Tagore: em ciência, passamos pela disciplina de eliminar as limitações pessoais de nossas mentes individuais e assim alcançamos aquela compreensão da Verdade que está na mente do Homem Universal. Mas a Verdade não é apenas objetiva; ela é realizada através da consciência humana. Sem o homem, o que chamamos de verdade não existiria como tal. 

Einstein: isso parece uma visão subjetiva. Por exemplo, a beleza de uma flor vermelha na mesa à sua frente — ela seria bela se não houvesse humanos para percebê-la? 

Tagore: a beleza, como a verdade, é um conceito humano, realizado através da nossa consciência. No entanto, há sempre um processo de reconciliação entre o individual e o universal. O gosto individual se conforma ao padrão universal. 

Einstein: há sempre incerteza sobre tudo o que é fundamental em nossa experiência, em nossa reação à arte, seja na Europa ou na Ásia. Mesmo a flor vermelha que vejo à sua frente pode não ser a mesma para você e para mim. 

Tagore: é ainda assim, há sempre o processo de reconciliação entre eles, o gosto individual se conformando ao padrão universal. 

Sobre Beleza, Arte e Música (Trecho de uma Conversa Posterior, 19 de Agosto de 1930). Em outro encontro, eles discutiram música e arte, comparando tradições orientais e ocidentais. 

Tagore: a música indiana clássica é improvisacional, como a flexibilidade da expressão humana dentro das leis universais. Melodia e harmonia são como linhas e cores em pinturas. Uma pintura linear simples pode ser completamente bela; a introdução de cor pode torná-la vaga e insignificante. 

Einstein: na Europa, a música se tornou mais rígida, distanciando-se da arte popular e do sentimento. Mas a incerteza permanece em tudo fundamental na arte. 

Tagore: a verdade da arte reside na harmonia entre o subjetivo e o objetivo, assim como na ciência. 

Esse diálogo não resolveu as diferenças, pois  Einstein, cientista ocidental, via a verdade como independente do observador, enquanto Tagore a via como inseparável da consciência humana. Porém, o diálogo ilustra um encontro raro entre ciência e espiritualidade. A conversa continua relevante hoje, especialmente em debates sobre física quântica e consciência. A obra de Tagore é um presente para a humanidade!

Shirlei Florenzano Figueira
Shirlei Florenzano, advogada e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, mestra em Direito pela UFPA, Membro da Academia Artística e Literária Obidense, apaixonada por Literatura e mãe do Lucas.

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