Publicado em: 30 de junho de 2025
Há um dito popular que cai como uma luva à tentativa desastrada da Prefeitura de Belém de justificar a atuação da Guarda Municipal na domingueira da Praça da República. “É pior a emenda que o soneto” – significa “tentar arrumar algo e deixar pior do que estava”. Consta que tal expressão surgiu porque alguém pediu ao poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) que lesse um poema e anotasse o que poderia melhorar. Bocage nada anotou. Achou tão ruim que nem valia a pena corrigir, ficaria pior ainda. Assim, há situações em que é melhor começar tudo de novo, não há jeitinho capaz de melhorar aquilo que foi ruim demais.
Recebi da Prefeitura de Belém, em razão de ter publicado a matéria Guarda Municipal de Belém tortura cidadãos na Praça da República com sirene, um texto intitulado “Justificativa de Intervenção da Guarda Municipalna Praça da República”. Em síntese, diz que foi em razão de “risco iminente de confronto entre torcidas organizadas” do Remo e Paysandu, “necessidade de garantir a segurança pública”, “venda de bebidas alcoólicas por ambulantes”, que além disso “utilizam caixas de som com volume elevado”. Repetidas vezes alega que a ação “está amparada pelas leis municipais nº 13.022/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais) e nº 8.149/2002 (proíbe a comercialização e consumo de bebidas alcoólicas em logradouros públicos de Belém), Decreto nº 26.578/1994 (regulamenta o comércio ambulante em Belém) e na ADPF 995 – STF (reconhece que as guardas municipais executam atividade de segurança pública).
Pois bem. A Prefeitura só não explica – e muito menos justifica – justamente o cerne da questão: o uso abusivo, pela Guarda Municipal, de sirene por horas seguidas e ininterruptas, em decibéis proibidos pelo Código Civil, em seu artigo 1277 (garante o direito ao sossego), pela Lei de Contravenções Penais, em seu artigo 42 (pune com prisão ou multa quem causar ruído excessivo ou abusar de instrumentos sonoros). A Prefeitura de Belém esqueceu de informar o porquê de a Guarda descumprir essas leis federais e também a lei municipal nº 7.990/2000 (trata do controle e combate à poluição sonora; estabelece normas e critérios para a emissão de sons e ruídos, visando a prevenção, fiscalização e controle da poluição sonora em Belém, além de definir responsabilidades e sanções), a lei municipal nº 16.402/16 e o decreto nº 57.443/16, que também tratam sobre poluição sonora em Belém, estabelecendo limites de emissão de ruídos e níveis máximos de pressão sonora. Sabem qual é o órgão municipal ao qual devem ser feitas as denúncias? A Guarda Municipal de Belém, que faz uso indevido de sirenes, em altura e com duração fora das leis. Misericórdia!
Há inclusive preceito constitucional instituindo o direito ao meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao poder público o dever de defendê-lo e preservá-lo. A poluição sonora é crime ambiental e a perturbação de sossego alheio é contravenção penal. Mas em Belém, como dizia o caudilho Magalhães Barata, ex-governador do Pará, “lei é potoca”.
Em Belém do Pará, tristemente alcunhada Cidade do Barulho, o poder público não se importa com as pessoas que precisam descansar para ter saúde física e mental, e em especial bebês, pessoas com autismo e outros problemas, idosos e animais, domésticos ou não. Os pássaros, cães e gatos sofrem muito e até morrem devido ao barulho.
Na Praça da República, manifestações culturais, políticas, religiosas e esportivas sem qualquer fiscalização impõem o desassossego. Há corridas com largada às 5h da manhã, shows que começam ao meio-dia em domingos e feriados, todos com carros-som em decibéis ensurdecedores. Ninguém se importa se as estruturas do Theatro da Paz serão abaladas com o treme-terra, se seus lustres de valor inestimável vão se partir. A barbárie impera. Leis existem, mas ninguém cumpre.
Uma cidade em que os próprios órgãos públicos não respeitam a proibição de usar sirene a não ser em caso de emergência, autorizam eventos barulhentos em horários proibidos, não atendem as denúncias com medidas eficazes e onde as pessoas estão surtando nas ruas, muitas vezes com discussões que acabam em tragédias por conta da falta de providências. Uma cidade com população doente, porque não consegue descansar, nem de madrugada ou aos finais de semana. Esta é Belém, apelidada “Capital do Barulho”.
Ninguém ignora que o barulho exacerbado causa a perda gradativa da audição e concentração, aumento da pressão arterial, interferência no sono, problemas gástricos, estresse, aceleração cardiovascular, prejuízos na saúde mental e muitos outros efeitos maléficos.
Toda pessoa tem direito ao silêncio para viver em harmonia com a sociedade. Trata-se de direito humano e de cidadania. O prefeito de Belém, Igor Normando, tem uma bebezinha e ama os animais. Há uma profunda contradição no que está acontecendo em sua gestão.
Leiam a íntegra da justificativa enviada pela Prefeitura de Belém.


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