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A violência sexual apesar de assolar cada vez mais o Brasil, ainda é um tema tabu e, por isso, envolto em um enorme silêncio que tem atravessado gerações. Em 2023, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgou o Censo Demográfico de 2022 que traça a condição de vida dos residentes, dando destaque às crianças e adolescentes. A estimativa da população brasileira, segundo o censo, é de 212 milhões de habitantes, dos quais 57 milhões estão na faixa etária de 0 à 19 anos, portanto, aproximadamente um quarto da população é composta de jovens. Também aponta a região norte, apesar de ser a menos populosa, como a que concentra o maior número de crianças e adolescentes.

 Os resultados da pesquisa revelam que a violência sexual afeta mais crianças e adolescentes do que adultos. Um cenário desolador no qual 73,5%  das pessoas que sofreram violência sexual têm menos de 19 anos de idade. Em outras palavras, podemos dizer que no Brasil, a cada quatro casos, três são contra crianças e adolescentes.

Desgraçadamente o ambiente doméstico continua sendo apontado como o lugar mais perigoso para nossos pequenos. Na maioria dos casos de abuso sexual o agressor é justamente quem deveria proteger. No topo da lista de agressores está o pai ou padrastro, seguido de avôs, tios, primos, vizinhos, amigos, professores, sendo por último o desconhecido. Os dados também denunciam ser o sexo feminino o mais  visado pelos abusadores, 87,1% são meninas. Mas há uma informação que nos atravessa profundamente, a região norte lidera o ranking com 86,9% das notificações, sendo que 92,2% das vítimas são meninas e 7,9% são meninos. Obviamente, sabemos que são dados apenas para nos balizarmos, porque a realidade é que  grande parte dos casos de violência sexual, seja em adultos ou crianças não chegam às autoridades e quando chegam, dependendo de quem for o abusador, o caso é engavetado.

Crianças que sofrem violência sexual, via de regra, desenvolvem ideação ou comportamento suicida, pois a dor infligida é avassaladora, sobretudoporque em muitos casos  a criança, além de passar pelo trauma do abuso propriamente dito, quando conta a outro adulto – normalmente a mãe ou quem exerce a função desta – na tentativa de ser amparada,  é desmentida, desacreditada por essa que, invés de proteger, diz: “é mentira!”; “estás inventando coisas!”; “não sabes o que dizes!”, “não sabes o que falas!” “tu que és safada!”; etc.

Esta falta de validação cria uma confusão enorme na criança, fazendo com que passe a duvidar até mesmo da sua própria experiência, pois de um lado está o adulto que tem força e autoridade e, por outro lado, um outro que invalida sua fala. Assim, física e moralmente indefesa, sentindo-se ao mesmo tempo culpada e inocente, nossa(o) pequena(o) silencia. Porém, o horror vivido redundará em sintomas psicopatológicos, comprometendo a saúde mental desse sujeito por toda a vida.

É comum o leigo referir-se ao trauma de forma errônea. Trauma é considerado do ponto de vista psicodinâmico como uma carga que supera a capacidade de uma pessoa tolerar e elaborar psiquicamente, especialmente se tratando de seres ainda em desenvolvimento. Seria, a título de exemplificação, o mesmo que ligar um secador de cabelo de 120w em uma tomada de 220w.

A violência dentro do ambiente doméstico gera um prejuízo incalculável. O esfacelamento do laço de confiança com quem moral e legalmente deveria prover segurança, conforto e bem estar físico e mental, faz do mundo um lugar extremamente hostil, criando adultos com propensão aos mais diversos transtornos psíquicos.

Precisamos refletir sobre como proteger nossas crianças. É crucial que quem passou pelo horror da violência sexual, em qualquer fase da sua vida, procure ajuda psicológica, pois dar voz a sua dor é uma forma de elaborar o sofrimento. Contudo, também é imperativo que políticas públicas sejam criadas para punir com rigor pedófilos e perversos de modo geral. Chega de silêncio e impunidade!

France Florenzano
France Florenzano é psicanalista, pós-graduada em Suicidologia pela Universidade de São Caetano do Sul. Whatsapp: (091)99111-5350 Instagram: psifranceflorenzano

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