Publicado em: 21 de setembro de 2025
Nossa segurança democrática, econômica e social está ameaçada pela PEC da Blindagem, entenda. Mas antes de seguir, registramos este triste protagonismo do Pará. O texto original foi apresentado em 2021 pelo então deputado federal do PSDB Celso Sabino. Hoje, demissionário do Ministério do Turismo, Sabino integra a bancada do União Brasil.(Estadão)
Sim, o União Brasil cujo presidente Antônio Rueda, passou a constar nas investigações da PF (Polícia Federal) que apuram a infiltração da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) nos setores financeiro e de combustíveis no Brasil. Como os demais presidentes de partido, Rueda também será beneficiado direto da PEC se esta for aprovada no Senado.(CNN)
Mas o problema é bem maior. Outros 185 deputados assinam a PEC desde 2021. Seu deputado ou deputada votou contra ou a favor? Se você nem sabe, a culpa é sua. Bem, pelo menos, segundo a Quaest, 83% das menções à PEC foram negativas segundo levantamento que coletou 2,3 milhões de comentários entre 16 e 19 de setembro, com alcance médio de 44 milhões de perfis por hora.
Num país de grandes desigualdades e esperanças, toda proposta de mudança constitucional carrega consigo promessas e perigos. A chamada PEC da Blindagem, aprovada na Câmara dos Deputados Federais, surge como uma dessas ideias: um escudo, dizem, para proteger parlamentares das intempéries políticas e judiciais. Mas, ao olhar mais atento, o que se vê é menos um escudo e mais um muro para isolar a Sociedade e suas instituições públicas – e, talvez, um espelho para todos nós que ainda não percebemos o distanciamento entre representantes e representados que enfraquece nossa democracia.
Vejam a gravidade. A Câmara Federal teve a pachorra de aprovar uma emenda que propõe alterar a Constituição Federal para dificultar o processo de responsabilização de parlamentares por atos cometidos FORA do exercício do mandato. É um absurdo igual a tentar aprovar que na COP não pode ter maniçoba, como tentaram.
Em linhas gerais, busca ampliar imunidades e prerrogativas, tornando mais complexo o afastamento, a investigação e o julgamento de deputados e senadores, mesmo para crimes comuns e até flagrantes. A justificativa oficial é evitar perseguições políticas, mas a redação abre margem para interpretações que podem favorecer a impunidade sem limites.
Por exemplo, um deputado é pego cometendo estupro de criança. Foi flagrado. Mas ele atribui que um opositor político o envolveu, o drogou ou qualquer absurdo e ele só poderá ser preso com a aprovação da Câmara pelo voto secreto dos deputados. Tudo bem, exagerei. Mas se ele foi flagrado com dinheiro na cueca…fica livre. Até porque pode ter uns colegas querendo sua ponta.
Imagine um parlamentar envolvido em desvios de verbas públicas, corrupção ou até crimes comuns, escudando-se atrás da PEC para evitar investigações. O plenário se transforma em tribunal, e colegas, em juízes de toga invisível. O interesse público se perde entre acordos e favores, enquanto a ética se esconde nos bastidores. Em casos extremos, a PEC pode ser usada para proteger agentes flagrados em esquemas ilícitos, atrasando ou impedindo punições.
Pior ainda: a PEC pode criar um ambiente propício ao uso imoral do mandato, onde a blindagem serve como convite à irresponsabilidade. O cidadão, por sua vez, assiste de longe, descrente, ao espetáculo da autoproteção parlamentar.
Nos Estados Unidos, o princípio do accountability é sagrado: representantes podem ser investigados e punidos como qualquer cidadão, com imunidades restritas ao exercício da função. Na Alemanha, imunidades existem, mas jamais impedem investigações criminais. França, Reino Unido, Canadá – em todos esses países, a proteção existe para garantir independência, nunca para blindar contra crimes comuns. O espírito democrático internacional é claro: ninguém está acima da lei.
A PEC da Blindagem é, também, sintoma de um mal maior: o afastamento entre quem faz as leis e quem vive sob elas. Parlamentares reclusos em gabinetes, distantes das ruas, das escolas, dos hospitais públicos. O eleitor, por sua vez, vê seus representantes como figuras inalcançáveis, intocáveis, protegidas por privilégios e salários elevados. É um abismo que se aprofunda a cada blindagem aprovada, a cada medida que reforça o muro entre Brasília e o Brasil real.
Segundo o TRE, o eleitorado brasileiro que tem ensino médio completo era 41.161.552 eleitoras e eleitores, apenas 26,31% das pessoas aptas a votar nas Eleições 2022. Somando isso com a terrível desigualdade de renda que distancia 36 vezes entre a renda dos Ricos e pobres, o processo eleitoral é reduzido a situações de compra de votos, amplificando o poder econômico sobre a política.
A história recente mostra que imunidades excessivas são terreno fértil para abusos. Agentes envolvidos em esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro ou outros crimes graves podem encontrar na PEC uma ferramenta para travar investigações, atrasar processos e, por vezes, escapar da Justiça. O resultado é um ciclo vicioso: quanto mais blindagem, mais tentação para o uso indevido do mandato. Além da total falta de transparência efetiva para o acompanhamento dos 50 bilhões em emendas destinadas pelos parlamentares às suas “bases”.
Propostas Para Fortalecer a Democracia
Se queremos uma democracia robusta, precisamos de medidas que aproximem representantes do povo e reforcem o compromisso público. E que valorizem os políticos por vocação e não por interesse pessoal. Eis algumas ideias:
- Registro de compromissos programáticos: Parlamentares devem assumir publicamente suas propostas e metas, com acompanhamento transparente e prestação de contas regular.
- Redução salarial: Cortes nos salários e benefícios dos parlamentares, alinhando-os à realidade dos cidadãos comuns e reforçando o sentido de serviço público.
- Garantia de presença na base: Obrigatoriedade de visitas regulares às cidades e regiões representadas, com agendas públicas e participação em atividades comunitárias demonstradas, com listas de participantes etc.
- Participação orgânica dos eleitores: Criação de mecanismos para que eleitores possam se inscrever no mandato, opinar e votar em decisões relevantes, ampliando a democracia direta.
- Uso obrigatório de serviços públicos: Parlamentares e familiares devem utilizar escolas, hospitais e transportes públicos, vivendo na pele os desafios enfrentados pela população.
A PEC da Blindagem, ao invés de fortalecer a democracia, corre o risco de transformá-la em berlinda. O verdadeiro caminho está na transparência, na ética e na aproximação entre representantes e representados. Para que a democracia não seja apenas uma palavra bonita nos discursos, mas uma prática diária, viva e participativa, precisamos de menos muros e mais espelhos – e, sobretudo, de cidadãos engajados, atentos, cobrando e participando desde a escola.
Blindagem não pode ser sinônimo de privilégio. Só haverá democracia forte quando o compromisso público for regra, e o interesse coletivo, prioridade. O futuro depende da nossa capacidade de exigir, propor e construir juntos uma política onde ninguém, nem mesmo os que fazem as leis, esteja acima delas.
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