Publicado em: 26 de maio de 2025
Longe de mim fazer intriga literária. O assunto é relevante e merece nosso olhar atento as divergências ideológicas e simbólicas sobre o fazer literário na Amazônia.
O fato apresentado neste texto, está narrado e pode ser lido no livro de Jacques Flores, “Panela de Barro”. Flores contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento da produção Literária na Amazônia paraense e tornou-se um de nossos principais escritores, como, Bruno de Menezes, Abguar Bastos, Dalcidio Jurandir, cuja obra é patrimônio imaterial do Pará, Edyr Proença, Salomão Laredo, Alfredo Garcia, Paulo Nunes, entre muitos outros.
Osório Duque estrada esteve em Belém no final de 1907 e início de 1908 a época nosso governo estava sob a administração de Augusto Montenegro. Na descrição de Jacques Flores, Osorio Duque estrada era um ser de “espírito cintilante e irreverente com um feito demolidor, sentia prazer em desencavar o pau em quem quer vestido de intelectual, lhe aparecia pela frente”. A acidez de suas narrativas também foi destinada a Academia Brasileira de Letras, porém tempos depois fez parte do Silogeu brasileiro ocupando a cadeira que pertenceu a Silvio Romero e antecedida por Hipólito da Costa.
A presença do crítico literário a Belém, inscreve-se em um momento em que a capital paraense buscava consolidar-se como polo cultural da Amazônia, durante o chamado ciclo da borracha. Entretanto, a visita do crítico fluminense não se limitou à cordialidade típica das trocas culturais entre regiões: ela evidenciou, sobretudo, um olhar hierarquizante e crítico que o visitante dirigiu à produção literária local.
Duque-Estrada, representante da elite intelectual carioca e defensor de um ideal estético fortemente vinculado ao academicismo e ao cânone eurocentrado, fez críticas contundentes aos escritores paraenses, especialmente aos que se voltavam à valorização das temáticas regionais. Em artigos e conferências, insinuava que a literatura amazônica carecia de “refinamento” e de uma “maior inserção universalista”, desqualificando os autores que buscavam afirmar uma identidade própria, ancorada no cotidiano, nos mitos e nas paisagens do Norte. Essa postura ilustra um traço recorrente do pensamento literário centralizador da época: a invisibilidade da literatura produzida na Amazônia e a desvalorização do regionalismo como força estética e política.
A narrativa de Estrada, sob o disfarce da erudição crítica, ecoava o preconceito cultural que associava o Norte e o Nordeste a uma produção literária inferior, “exótica” e com certa folclorização.
O autor do hino nacional chegou a Belém vindo de Manaus. A capital paraense lhe rendeu alguns elogios e bem-querença – A Catedral, o Palácio do Governo, o Teatro da Paz, o Museu, o Bosque, as praças e jardins com seus monumentos, os Institutos Lauro Sodre e o Gentil Bittencourt, o Mercado Municipal, o Asilo de Mendicidade, o Orfanato Antônio Lemos, o Quartel do corpo de Bombeiros. A capital paraense lhe provocou imensa beleza em seu texto relata: “Por todos os títulos, Belém é hoje a terceira cidade da República: pela sua beleza natural, pelas grandes avenidas que cortam em todas as direções, pela amplitude de suas praças, pelos seus atrativos jardins, pelo conforto da vida que ali se passa, nenhuma outra pode competir com ela, exceção apenas do Rio de Janeiro e São Paulo”
Belém lhe proporcionava beleza, todavia, os escritores paraenses parecem negativados ao seu olhar. Estrada mostra sua aversão ao movimento de escritores paraenses. Diz por exemplo, que é “dificílimo o encargo de uma notícia, ainda mesmo breve, a cerca do movimento intelectual da Amazônia. Não me parece que o estado do Extremo norte seja daqueles em que se avultam as aptidões literárias. Poetas ao menos, não os possuem o Pará, com restrição de Paulinho de Brito e João Marques de Carvalho” e afirma que “ Dos que o Sr. Eustáquio de Azevedo pretendeu revelar na sua “Antologia Paraense” quase todos são desprovidos de merecimento notável e começa pelo proprio autor”. É claro que essas injustas afirmações não iram ficar sem uma reação da coletividade de escritores paraenses. Eustáquio de Azevedo e Humberto de Campos danados de raiva com as falsas declarações, deram-lhe respostas que fez Estrada ficar atordoado. Eustáquio de Azevedo em respostas a Duque-Estrada, pegou seu livro “ Flora de Maio e fez em suas paginas uma verdadeira dissecação, Segundo Jacques Flores, “ Não ficou pedra sobre pedra”. Para os intelectuais paraenses, a visita deixou marcas ambíguas. Se, por um lado, representava o reconhecimento simbólico de Belém como cidade literária relevante, por outro, evidenciava a dificuldade de aceitação, nos centros do poder, de uma literatura que se propunha distinta da norma sudestina. A arte literária no Pará buscava à sua maneira, afirmar uma estética amazônica, como propôs Abguar Bastos – e a reação de Duque-Estrada expõe o incômodo que isso gerava em setores conservadores da crítica nacional.
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