0
 

Estou me deliciando em ler “Um século em cem crônicas”, todas publicadas em O Globo, lançadas em comemoração. Entre grandes estrelas que fizeram minha cabeça, pois meu pai, todos os dias, trazia do trabalho os jornais do Rio e São Paulo, há uma de Mário Filho. Irmão de Nelson Rodrigues, inventor do FlaFlu, do Jornal dos Sports, do desfile de escolas de samba e nome do Maracanã, foi grande cronista, rubro-negro doente, ao contrário do irmão. Pois bem, uma dessas crônicas me lembrou do jogo de botão. Um dia um jovem foi até a sala de Mário, no jornal e perguntou se poderia ter o patrocínio de um campeonato e a publicação dos resultados. Prontamente Mário concordou, ofereceu troféu e depois cita o comportamento de alguns dos jogadores, entre meninos e até adultos. Derreteu meu coração. Fui viciado em jogo de botão, uma das alegrias de minha pré adolescência. Vou me repetir. Já escrevei sobre o assunto. Os cronistas, ao fim de algum tempo, lendo seus trabalhos, percebem, assustados, o quanto devassaram suas vidas, escrevendo. Confesso que me assustou, mas gosto tanto de crônicas que continuo escrevendo. O fato é que meu irmão mais velho, Edgar, levou para casa o jogo. Logo, com o auxílio da Revista do Esporte, tínhamos todas as equipes do campeonato carioca. Usávamos botões de plástico, com espaço para o escudo ou para fotos dos atletas. Havia também botões que já vinham com escalações famosas de Flamengo, Botafogo, Fluminense e Vasco. Havia uma mesa de fórmica onde marcamos com lápis os contornos do campo. Os goleiros eram caixas de fósforo sem nada, dentro. Tudo diferente do esporte Celotex, de milhares de aficionados. No nosso, tocava na bola e seguia tocando. Não vou dizer qual modelo era melhor. Queríamos apenas jogar. Ah, minha mãe foi nossa maior incentivadora. Com arame fino, fez traves. Para a rede, filó. A bola, de lã, permitindo grandes lances de habilidade. Meu irmão protestou muito quando jogamos a primeira partida. Eu havia recortado um anúncio de revista da gasolina Atlantic e assim chamara minha equipe. Para proteger a defesa, usei tampas de remédio da marca Lily e pior, dei nomes fictícios aos jogadores. Assim, o goleiro era Simbad, o zagueiro era Ben Hur e o meio campo era Vlamir, esse último grande craque de basquete nacional. Foi bem no começo. Depois fiz a adequação necessária. Desenvolvemos técnicas bem interessantes e disputávamos campeonatos bastante competitivos. Naquela brincadeira, Edgar começou a narrar e eu fazia alguns comentários, tudo a partir do trabalho de nosso pai nas transmissões esportivas. Infelizmente, com apenas 14 anos, Edgar foi trabalhar na rádio, área de esportes, apaixonado que era e já com o tônus vocal que o caracterizou. Sem meu parceiro, tratei de buscar entre meus amigos do colégio, quem se interessasse. Rápido formamos uns quatro ou cinco times. Por decisão unânime, o palco do campeonato seria a mesa da cozinha onde morava Abílio Cruz, meu grande amigo. Reunimos para um torneio início, naquela época, tradicional no futebol. Sorteamos os embates e o primeiro seria entre mim, com o time Cruzeiro, com Tostão, Dirceu Lopes e companhia, contra meu grande amigo Sergio Zumero, que havia inscrito o Clube do Remo. Seria Alcino seu centro avante? Postas as equipes na mesa, decidido o juiz, que foi o saudoso Zé Roberto Cruz, eis que exclamamos ao mesmo tempo: Não pode! Não pode o quê? Postado na liderança do ataque, havia um botão com a foto, recortada, do próprio Sergio, dono do time. O time é meu e eu escalo quem eu quiser! Poxa, nem começou o torneio e já vamos pro tapetão? Como tenho saudade disso!

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

Um poeta, ensaísta, cronista, compositor e filósofo na APL

Anterior

Fux versus Moraes

Próximo

Você pode gostar

Comentários