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Entre as heroínas míticas da Grécia se encontra Penélope, cuja beleza se distribuía entre a forma e o talento, atraindo dezenas de pretendentes. Foi o jovem Ulisses, contudo, Rei de Ítaca, quem conquistou seu coração, superando os interessados.

Conhecido por sua inteligência, pediu a mão de Penélope a seus pais, Icárius e Periboea, que concordaram, estipulando, entretanto, que a filha permanecesse por mais um tempo dentro de casa. Ulisses partiu sozinho, combinando busca-la depois.

Outra versão teria sido a de quando Ulisses foi convocado pelos gregos para lutar na guerra de troia, deixando a esposa, Penélope, aguardando na ilha, junto com seu filho recém nascido, Telêmaco, demorando a retornar.

Quando a guerra de Troia terminou depois de 10 anos, em 1200 a. C., o barco de Ulisses se desgovernou, parando na ilha de Lesbos, onde restou aprisionado por ninfas inebriantes, mas ele amava Penélope.

Nas duas versões, porém, a espera de Penélope e a demora de Ulises para retornar, provocaram novas investidas dos pretendentes querendo Penélope, mas ela amava Ulisses.   

Importunada pelos conquistadores que afirmavam Ulisses morto na maior guerra da antiguidade clássica, Penélope avisou que somente se casaria com outro homem quando concluísse a confecção de um sudário que iniciara para seu sogro. Durante o dia elaborava o tecido, durante à noite o desfazia, acreditando no retorno do marido.

Anos de espera, pressionada pelos cortejadores, o interminável sudário foi banalizado pelos pretendentes e uma grande assembleia se formou para disputarem Penélope. Nesse mesmo dia, Ulisses retorna disfarçado de mendigo, entra na contenda e, com um arco e flexas, elimina os interessados, num surpreendente resultado exaltado pelo historiadorHomero.

Os mitos refletem movimentos do comportamento humano, vinculados a psiquê em sua fundamental ação sobre a personalidade. Freud se dedicou a eles para compreender os processos do inconsciente. Revelam como os povos antigos compreendiam o mundo, a natureza, a vida, a humanidade e suas tradições. Eles tranquilizam a inquietude humana em seus modelos rituais e atividades significativas.

Escritores alegam que a explicação do mito de Penélope se encontra na fidelidade humana, mas penso que outros sentidos se revelam, por exemplo o da capacidade de fazer e desfazer nossas próprias ações.

Além da fidelidade, a paciência e a esperança se encontram presentes nesse imaginário mitológico, avisando que a certeza é um dado pontual no comportamento humano. Nessa dimensão, há um dilema entre ausência e presença, espera e desistência, diante de todos nós em forma de desafio. Às vezes, esperamos tanto e desesperamos rápido. Outras vezes, invocamos constância quando somos ausentes.

Nessa relação, o tempo passa e como passageiros também passamos dentro de um imperceptível trem que silenciosamente trafega. O amor é uma intricada relação interpessoal, ofuscado por características humanas em bases conscientes e inconscientes.

Freud associa o amor à angústia, valendo-se da mitologia para desvendar a paixão, o desejo, a libido, a transferência e a sexualidade, na experiência psicanalítica. O sudário que se perfaz é o mesmo que se desfaz, entre o dia e a noite das nossas vidas.

Ernane Malato
Ernane Malato é escritor, jurista, humanista, mestre e doutorando em Direitos Humanos pela PUC/SP e FADISP/SP, professor e pesquisador da Amazônia em diversas áreas sociais e científicas no Brasil e no exterior, membro das Academias Paraenses de Letras, Letras Jurídicas, Jornalismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Pará, atualmente exercendo as funções de Cônsul Honorário da República Tcheca na Amazônia.

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