Publicado em: 4 de agosto de 2025
Semana dura. Mais manchetes negativas sobre Belém, COP 30, sem tratar do que realmente importa. Entre nós, o eco de antigos preconceitos… e ainda tem o Trump. Ninguém merece. Enquanto isso, o que importa, que é o reposicionamento da Amazônia e o Brasil na geoeconomia mundial e um novo modelo de desenvolvimento, ficam de lado.
Belém, cidade amazônida exuberante às margens da baía do Guajará, foi anunciada como sede da COP 30. Não tardaram entre nós brasileiros, porém, as manifestações de desconfiança, os sorrisos irônicos, as dúvidas que, mais do que simples indagações logísticas, revelam camadas profundas de uma estratégia de desvalorização que virou preconceito e atravessa séculos e se reinventa a cada nova conjuntura, como cultura, hábito de desmerecer o que somos, o viralatismo.
É impossível não sentir nas reações à escolha de Belém o velho ranço de uma desvalorização que foi semeada desde o tempo em que o Brasil ainda era colônia. Essa postura hesitante diante do Norte, do interior, do periférico, está tatuada em nossa psiquê coletiva. Como observa Darcy Ribeiro, “O Brasil é um país mutilado”, cindido por dentro, incapaz de reconhecer sua unidade sem apagar ou subestimar suas diferenças.
Belém não é apenas uma cidade: é símbolo e resultado de uma Amazônia constantemente olhada com estranhamento, quando não com desprezo. A crítica à sua escolha expõe o quanto ainda perdura o processo de autodesvalorização que, segundo Enrique Peregalli, “é um fenômeno cultural que corrói as possibilidades de afirmação dos sujeitos históricos do país”. Tal processo, longe de ser espontâneo, foi construído historicamente, sobretudo a partir da chamada “Independência”, que, como nos lembra Sérgio Buarque de Hollanda, “não emancipou o brasileiro comum, mas apenas mudou a direção do comando”.
De fato, nossa independência foi, em boa parte, uma troca das amarras externas por marionetes internos. A colonização, antes vinda de além-mar, tornou-se doméstica: elites regionais passaram a ocupar o lugar de prestadores de serviços aos antigos senhores, perpetuando a lógica de dominação autoritária e excludente sobre o povo. Décio Saes fala desse fenômeno como “colonização interna”, um mecanismo pelo qual grandes regiões do país se vêem subjugadas por centros de poder afastados, seja pelo capital, pela cultura ou pelas decisões políticas.
A partir da Segunda Guerra Mundial, o Brasil passou a oscilar sob forte influência cultural dos Estados Unidos. Foi o tempo da “americanização” dos costumes, do cinema, da música, da arquitetura e da política. Essa dominação invisível à maioria, mas penetrante, contribuiu para enfraquecer ainda mais a confiança no próprio país, sobretudo nas regiões que não espelhavam o modelo “moderno” das metrópoles do Sul e Sudeste. Como diria Darcy Ribeiro, “O Brasil não foi apenas colonizado, foi também mentalmente colonizado”.
Esse espelho deformante é o mesmo que, nos séculos XIX e XX, ridicularizou ou reprimiu as revoltas de quem se insurgiu contra as ordens impostas. Da Cabanagem à Farroupilha, passando pela Balaiada e Sabinada, a história das insurreições registra episódios em que o centro buscou domesticar as margens, reinventando preconceitos para justificar repressão. A Cabanagem, ocorrida justamente no Grão-Pará, foi uma das mais sangrentas tentativas de enfrentamento dessa colonização interna: “Era a rebelião dos excluídos, dos que não cabiam no projeto nacional”, como descreve Enrique Peregalli.
Os ecos dessa história ressoam ainda hoje nas dúvidas levantadas sobre Belém. “Será que a cidade tem estrutura?” “E a segurança?” “Mas e o calor, e os mosquitos?” Perguntas que soam menos como genuína preocupação e mais como subterfúgios para reafirmar uma hierarquia simbólica. É o velho preconceito mascarado de pragmatismo, circulando inclusive entre os próprios brasileiros e até, amazônidas.
Todo aumento de demanda provoca aumento de preço, dos aluguéis também, ora. Ah, mas é demais, é ganância. Mas assim é a Lei de Mercado que dirige as relações capitalistas. Não estamos mais em um país capitalista? Qual motivo pra surpresa? O ofertante só mantém o preço se estiverem comprando. Se ninguém pagar, o preço cai. É assim desde o mercantilismo. Lamentável é ver o próprio presidente da COP, brasileiro, embarcando nessa. Despreparado.
É a mesma natureza de reação diante da pífia ameaça de Trump. Globo, Record e Band reverberam os prejuízos do antes Tarifaço, agora tarifinho, após as 700 exceções, induzindo a ideia de que o correto é se submeter, prestando esse serviço aos imperialistas. Silenciando sobre o principal, a aberta ameaça à Soberania Nacional. O aumento da tarifa não é por questão econômica ou comercial, é por questão política, aliás, jurídica, em função do longo processo de apuração que agora aponta para a condenação do réu Bolsonaro e seus asseclas.
Imagine se a China aumentasse a tarifa quando o Lula foi preso sem os devidos procedimentos legais, daí a anulação do processo. A China tem quase 40% das exportações brasileiras os EUA 12%. Nossas elites, através dos jornais, em vez de repudiarem a ofensiva americana, se acovardam e ainda prestam o serviço de formarem opinião favorável a Trump entre os brasileiros. Ah, mas vai gerar desemprego. Quando se preocuparam ou deixaram de desempregar para ganhar mais?
Hoje o Brasil continua com muitos problemas graves, saiu do Mapa da Fome, de novo. Estamos, de novo, na beira do pleno emprego como em 2014. Batemos recorde histórico em distribuição de renda segundo o Índice de Gini. Mas é muito pouco, não dá nem pra sentir, mas é o caminho certo. Esse era o tema para estar nas manchetes, provocando reflexões e debates para avançarmos rumo a um modelo de desenvolvimento que internalize riquezas geradas com os recursos que abastecemos o mundo. Nada contra soja, mas o cupuaçu e o bacuri podem gerar muito mais riquezas para os amazônidas.
Décio Saes nos alerta para o perigo desse processo: “A autonegação impede a construção de um projeto nacional genuíno”. Enquanto o país não for capaz de enxergar sua Amazônia como parte vital de seu próprio corpo e alma, repetiremos, em pequenas e grandes decisões, o ciclo de exclusão e de dúvida. E esta incapacidade, agora cultura, inconscientemente percola até setores locais, populares, intelectuais, inclusive de “esquerda”. O Protagonismo faz falta.
No entanto, há esperança quando vozes dissonantes celebram a escolha de Belém para a COP 30. É a chance de deslocarmos o olhar, de libertarmos o Brasil do determinismo de suas próprias ideias colonialistas. Como pontua Darcy Ribeiro, “O Brasil se fará por inteiro quando se souber plural, amazônico, cabano e sertanejo”.
A COP 30 em Belém é mais que um evento: é a possibilidade de romper a narrativa de desvalorização. É tempo de reverenciar a floresta e a cidade na Amazônia, mas também de ouvir as vozes que ecoam da margem, que resistem e reinventam o centro a cada manhã úmida e tropical. É isso o que importa.
Que aprendamos, afinal, a celebrar Belém — não como exceção, mas como expressão legítima de tudo aquilo que somos e ainda podemos ser como nação soberana.
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