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Uma cena que, a princípio, poderia confundir até o mais atento dos passantes: manifestantes agitavam com o mesmo fervor tanto a bandeira verde-amarela, do país que celebrava sua independência, mas também as de Israel e dos Estados Unidos. No ápice da celebração, uma gigantesca bandeira americana serpenteava pela avenida, carregada com orgulho, como se desejasse cobrir, ao menos simbolicamente, parte da nossa linda e produtiva pátria tropical. Mas o que pode significar este “cobrir”? Proteger ou Submeter?

É curioso observar como, na data que deveria celebrar a independência e a soberania nacionais, alguns grupos preferem invocar símbolos de outros países, transferindo para eles desejos, sonhos ou até mesmo um projeto de futuro que pode de fato escapar das mãos dos brasileiros. Tais manifestações suscitam reflexões incômodas: que impulso leva alguém a homenagear, em pleno feriado de independência, uma nação estrangeira? E que eco teria esse gesto em outras terras?
Recorro à legislação norte-americana para imaginar a cena invertida: em pleno 4 de julho, dia da independência americana, um grupo estende uma gigantesca bandeira brasileira pela Times Square, clamando por valores e líderes de outro país. Nos Estados Unidos, apesar dizerem que o direito à liberdade de expressão deve ser resguardado com zelo, a cultura política e patriótica tende a considerar como afronta qualquer tentativa de substituir ou sobrepor a bandeira nacional por outra. Recentemente, veteranos de guerra foram detidos ao se posicionar a favor da criação do Estado Palestino. E nem era 4 de julho, dia da independência americana.

Os códigos de conduta da bandeira (U.S. Flag Code) estabelecem normas para o respeito ao estandarte nacional e, historicamente, manifestações de submissão ou homenagem exagerada a símbolos estrangeiros costumam ser recebidas com repúdio social, exclusões e até ostracismo em certas comunidades, especialmente em datas cívicas centrais, como o dia da independência.

O que vimos aqui, é como se, numa analogia doméstica, um vizinho viesse bater à sua porta exigindo não apenas opinar, mas decidir sobre a cor de suas paredes, o cardápio do almoço e principalmente, sobre as regras da casa. O julgamento seria imediato: trata-se de uma afronta à autonomia, um convite à tutela do outro – e um sintoma de insegurança psíquica, já que as instituições estão funcionando plenamente. Com perfeição? Jamais, mas esta é a construção democrática. Lula foi preso, mesmo sem ter sido julgado, obedeceram. Agora Bolsonaro está tendo todo o direito à defesa que seu adversário não teve. Que se obedeça o juízo dado. É o preço da paz na democracia. A outra opção é a guerra civil. Quem vai pagar para ver?

O gesto de desfilar alegremente com bandeiras estrangeiras, é um segundo crime contra a pátria, que confirma o primeiro, a tentativa de golpe de Estado em 2023. Revela não só uma preocupação com a disputa doméstica, mas um desejo de sobrevivência a qualquer custo, incluindo a tutela estrangeira, de “salvação” externa, que emana tanto de um projeto arquitetado de fora com a consciente anuência de parte das elites, quanto de uma ignorância ou ingenuidade coletiva que as pesquisas apontam alcançar 38% da nação. Não é pouca coisa. Realmente nossa soberania é uma obra inacabada.

Não é à toa que, nos discursos de personagens-chave desse movimento, como Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freitas, multiplicam-se as declarações de admiração e apoio explícito a Donald Trump, erguendo o ex-presidente americano como modelo e farol para uma parcela da direita brasileira. Em várias ocasiões, Bolsonaro celebrou Trump como grande aliado e inspiração, referindo-se ao Brasil quase como um irmão caçula que busca aprovação e direção na Casa Branca. Tarcísio, por sua vez, também não esconde sua simpatia pelo trumpismo, evocando paralelos entre as agendas de ambos os países e defendendo abertamente a importação de padrões políticos. Assumindo publicamente, na posição de governador de São Paulo o “Make América Great Again(MAGA)”, traduzindo: Façamos os EUA grande de novo.

Vemos, assim, um fenômeno ambíguo: parte dos manifestantes age de caso pensado, a serviço de um projeto de subordinação econômica e política a partir da Cultura, e, por vezes, até ideológica; outros, guiados por desinformação ou por um sentimento difuso de crise e insegurança, aderem ao espetáculo sem perceber o abismo social que se abre sob seus pés com o avanço das desigualdades.

É por isso que assistir a essas cenas vai além do incômodo – é presenciar um crime simbólico de lesa-pátria, um atentado silencioso contra a soberania nacional. Revela-se, aqui, o quadro grave de uma política que, desde 2013, se empenha em dividir o país, semeando desconfiança nas próprias instituições e abrindo as portas para uma influência externa inédita desde o século XIX.

No fim das contas, a avenida forrada de bandeiras estrangeiras não é apenas um retrato de 2025, mas o espelho de um Brasil que, fragilizado por crises e disputas internas, arrisca perder de vista aquilo que deveria ser o núcleo inegociável de sua identidade: a capacidade de decidir soberanamente, de celebrar e de se reinventar por conta própria, sem tutelas ou tutores.

Afinal, a independência é, antes de tudo, um exercício de afirmação e confiança coletiva. E, neste 7 de setembro, o que se viu foi, infelizmente, a celebração do avesso – um desfile de incerteza nacional. Mais uma vez em São Paulo, vimos a expressão maior de quem puxa o Brasil para se manter colônia. A Avenida Paulista foi feita, de novo, de palco do atraso.

João Tupinambá Arroyo
Doutor em Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente e mestre em Economia pela Universidade da Amazônia, onde está pró-reitor de Pesquisa e Extensão. Pesquisador e militante da Economia Solidária desde 1999, 9 livros publicados, todos acessíveis como ebook. Pedidos para arroyojc@hotmail.com. Siga @joao_arroyo

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