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A forja da esperança para dias melhores e para alvoradas festivas naquela távola retangular, onde cavalheiros e nobres nunca se sentaram em volta para cear banquetes cheios de fartura e de acepipes. Em vez disso, espíritos de luta, irmanados pelo desejo coletivo de edificar em alicerces fortes o pequeno agregado familiar. 

Em dias de escassez, o pão era repartido com parcimônia. Então o amor, esse ingrediente capaz de suprir todas as necessidades, assumia a função de prato principal em todas as refeições, partilhadas em silêncio, às vezes, sob os olhos marejados do chefe daquele pequeno grupo, sentado à cabeceira da mesa, marcando sua posição de ponteiro de segurança daquele relógio coeso e sempre tempestivo.

Em datas festivas, era sempre tempo para a partilha de alguma refeição preparada com mais apuro, ainda que com modéstia e simplicidade. Um pequeno detalhe colorido no arroz soltinho, uma farofa crocante, uma cor a mais no guisado ou um assado de forno douradinho poderiam sinalizar uma pausa das refeições cotidianas modestas. Então, uma pequena fala de gratidão com um tom marcante de religiosidade proferida pela matriarca sempre antecedia o canto de parabéns, se fosse aniversário. 

Aquela mesa também era lugar para receber amigos chegados de outras paragens, cansados de viagens demoradas, por terra ou pela água. Sempre havia uma conversa agradável, um conselho sábio, uma palavra amiga e um café quentinho para celebrar o encontro. E o fulano? Há quanto tempo não o vejo! Casou-se? Teve filho? Comadre, como está? Melhorou de suas dores? E Compadre? Continua com a pesca? Os meninos estão estudando? Um cuidado com todos, uma escuta atenta, uma preocupação genuína com o outro…

O aniversário do chefe da família sempre foi uma cena à parte nos encontros festivos em torno daquela mesa. Antes de partir para junto de Deus, ele adorava reunir os filhos e netos em torno de si, contar histórias engraçadas, comer uma sobremesa geladinha e, depois dos parabéns, desfilando sorrisos alegres, se entretinha em abrir os presentes embalados em papéis coloridos, fazendo comentários engraçados, experimentando roupas, calçando algo recebido e  rindo calorosamente de sua própria espirituosidade habitual.

A matriarca, cuidadosa com a casa, também adorava festejar em torno daquela mesa! Ela mesma preparava o almoço do dia 19 de julho, com o mesmo zelo de mãe carinhosa reservado para todos os dias, porém, com aquele capricho especial reservado para os dias de festas. Entre flores e presentes, colhia o afeto de filhos, netos e bisnetos: três gerações que testemunhavam a força de uma mulher cuja luta pelos seus e pelo coletivo era inspiração para todos.

Reuniões para decisões difíceis, anúncios de batalhas, planos para o futuro, confidências e preocupações familiares também foram testemunhados naquela mesa, que estava sempre posta para conversas de olhos nos olhos, mãos sobre mãos e corações em sintonia.

Hoje, aquela mesa conta outras histórias, que se sucedem na passagem inexorável do tempo. Vive na memória e nos retratos físicos e digitais de tempos idos, de alegrias contagiantes e de tristezas comuns à vida e suas vicissitudes. Ainda posso frequentar aquela mesa, para a qual fui tantas vezes convidada, com uma saudade que me canta nos ouvidos uma paráfrase daquela canção: naquela mesa estão faltando eles… 

Shirlei Florenzano Figueira
Shirlei Florenzano, advogada e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, mestra em Direito pela UFPA, Membro da Academia Artística e Literária Obidense, apaixonada por Literatura e mãe do Lucas.

UMA CARTA PARA A COP 30 – 1º CAPÍTULO – A GÊNESE

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