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Embora não existam números oficiais sobre o uso de bicicletas em Belém, estimativas do Censo 2022 e do Coletivo Pará Ciclo apontam que entre 50 e 76 mil pessoas pedalam diariamente — cerca de 8% da população. Em Ananindeua, o número pode chegar a 20 mil ciclistas, se aplicada a mesma média. Ainda assim, a infraestrutura é mínima: Belém possui cerca de 160 km de ciclovias, o que representa apenas 2% a 3% de sua malha viária, e em Ananindeua a rede é praticamente inexistente.

A pergunta é inevitável: por que cidades que dependem tanto da bicicleta investem tão pouco nesse modal?
 A resposta é desconfortável — ciclovias não dão votos.

Nos anos 2010, Belém viveu um momento de efervescência do movimento por mobilidade ativa. Havia programas de TV, portais especializados e cicloativistas articulados. A Câmara chegou a discutir uma “Lei da Bicicleta”; nunca foi aprovada. Desde então, o tema perdeu força — e hoje quase não se vê políticos defendendo o transporte ativo como bandeira eleitoral. O caso de Ananindeua, onde o prefeito mais popular pouco fez pela ciclomobilidade, reforça a tese: investir em transporte ativo não rende capital político.

Mas por que não rende votos?
 Porque o interesse coletivo pela bicicleta surgiu quando a classe média a adotou como lazer e estilo de vida saudável, e não como meio de transporte dos trabalhadores. Esse entusiasmo durou até a pandemia, quando o medo, a insegurança e a polarização política transformaram a bicicleta em símbolo ideológico. O cicloativismo se fragmentou e a pauta, antes universal, passou a ser associada a um espectro político — e rejeitada pela outra parte da população.

Outro ponto crítico é a insegurança urbana. Ciclovias, quando existem, não garantem proteção. Muitas foram tomadas por motocicletas — que cresceram quase 200 mil novas no pós-pandemia. Esse dado é reflexo da falência do transporte público: diante de ônibus lentos e lotados, muitos optaram por motos próprias ou por aplicativos. Assim, a cidade reafirmou o transporte motorizado como padrão de mobilidade.

Mas essa escolha tem um custo — ambiental, social e humano.
 Às vésperas da COP30, é urgente discutir o papel do transporte ativo — caminhar e pedalar — como estratégia para reduzir emissões, melhorar a saúde pública, diminuir a temperatura e transformar o espaço urbano. Infelizmente, Belém ainda hesita em dar esse passo. A falta de ciclovias não é apenas um problema técnico — é reflexo de uma cultura política, que valoriza obras visíveis, mas ignora transformações silenciosas e estruturais. Enquanto se fala em “corredores verdes” e até em proteção de animais de rua, a cidade continua negligenciando o que poderia ser o legado mais concreto da sustentabilidade na Amazônia urbana.

Acilon Cavalcante
Arquiteto e urbanista apaixonado por cidades, histórias e pessoas. Tem mestrado em Artes, mestrado em Arquitetura e é doutorando em Mídias Digitais pela Universidade do Porto. Premiado em projetos de planejamento urbano, já atuou com governos e ONGs no Brasil, Canadá e Portugal, sempre conectando urbanismo, design participativo e sustentabilidade. Gosta de transformar dados em ideias e ideias em cidades mais humanas.

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