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O famoso sistema político “do, pelo, para”, quer dizer do povo, pelo povo e para o povo, a Democracia, convive hoje com uma realidade global profundamente contraditória, sem precedentes, que a ameaça enquanto solução civilizatória moderna. Uma inédita desigualdade social, econômica e de poder político, a partir do interior das Sociedades locais, sob influência cultural de grandes estruturas econômicas globais.
Desigualdades fabricadas que atingem em cheio a base das Democracias, o equilíbrio do poder entre os sujeitos sociais. Por que um indivíduo poderoso economicamente, deveria respeitar a Democracia? Ele pode se tornar poderoso politicamente ao financiar candidaturas, controlando o poder central, o legislativo, e daí o judiciário e o executivo – determinando sobre a partilha do orçamento público, etc.
Por que ele deveria respeitar que os direitos estabelecidos sejam efetivamente exercidos por eventuais adversários, que pode ser qualquer um, inclusive você? A justiça jamais será produto da pena de um pelo outro, mas do equilíbrio, da negociação política e econômica, já que cada um é que sabe onde o sapato aperta.
Escolhi, aqui, como fonte de dados insuspeita, a OCDE(Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Apesar do nome que inspira “solidariedade” é uma das legítimas instituições pós II Guerra, para a gestão multilateral conservadora do capitalismo a partir do controle e da estratégia dos interesses dos EUA no mundo.
Relatório da OCDE de 2021 registra que “um seleto grupo de 520 mil bilionários, que fazem parte do 0,01% mais rico, detém 11% da riqueza global. Esse número correspondia a 7% em 1995”. Segundo o mesmo relatório, se contabilizarmos o controle da riqueza gerada pela Sociedade global pelos 1% mais rico, chegaremos a 38%.
Em consequência desta acumulação inédita, os 50% mais pobres tem que se virar com irrisórios 2%. Se contabilizarmos a acumulação pelos 10% mais ricos, constataremos que a usura bate em 70% de tudo o que a humanidade produz. Na América Latina estes concentram hoje 80% do que produzimos de riqueza – já os 50% assim empobrecidos, ficam com incríveis 1%. Dado fundamental para refletir sobre violência/segurança, corrupção, qualidade de serviços, educação, desaquecimento econômico, etc…
Antes de prosseguir, para cada leitor enxergar o seu lugar neste cenário, segundo o IBGE não há nenhum paraense entre os 1% mais ricos do planeta, os superricos. Embora eles atuem fortemente para que a Amazônia, e o Pará continuem servindo-os, como desde o Pacto Colonial do século XVI. Agora as Drogas do Sertão se chamam Commodities.
É um cenário preocupante, porque se propaga e se enraíza, como normal estrutura lógica de poder, econômico-político, por todas as sociedades no mundo. A enorme riqueza global acumulada por uma pequena elite altera significativamente a distribuição de recursos e oportunidades para o conjunto da população, em especial a, assim, mais empobrecida. Visando exatamente a conservação desta lógica e o poder das mesmas elites, em cada lugar no mundo. Um cenário social, econômico, político e cultural que reproduz uma ordem de poder hierarquizada economicamente.
Eu mesmo vivi na prática uma situação assim. No início dos 90 virei empresário, assim eu achava. Montei com um amigo um bar e restaurante, o Mamão com Mel, na Gentil, na frente do Residencial Santa Maria de Belém. Toda segunda feira, o motorista da indústria de cerveja chegava, recebia o pagamento que significava 50% do faturamento. Em seguida, me dizia a meta de venda que eu tinha que realizar. Um dia eu disse, “quem manda aqui sou eu, eu que sou o dono”. Sem se alterar o rapaz disse “tranquilo, mas se se o Sr. não bater a meta não tenho certeza se vão manter o Sr. no meu roteiro de abastecimento”. Me indignei. Mas como seria possível ter um bar sem cerveja? Aprendi. Mudei de ramo na primeira oportunidade. Virei professor.
Assim, os 0,01% mais ricos controlam os 1% que controlam os 10%, até chegar aos que aqui reproduzem o modelo que mantém as condições que temos hoje. Logo, nesta “cadeia”, a liberdade política fica presa à condição econômica, mascarando na expressão da visão política a subordinação econômica. Quer no voto, quer na condução das leis, quer na condução da gestão pública.
Segundo a pesquisadora Cristina Vilani, “O termo demokratia foi cunhado pelos gregos na antiguidade para designar uma forma de governo em que o conjunto dos cidadãos tem a titularidade do poder político. Isto é, uma forma em que a administração da coisa pública é responsabilidade do povo e está sob o seu controle”.
Segundo Vilani, foi na cidade-república de Atenas que a Democracia teve seu apogeu, entre os séculos VI e IV a.C. Ali. E não havia parlamento, a democracia era direta. Os cidadãos reuniam-se em assembleia, na Ágora, para discutir e deliberar sobre as leis e a organização da vida coletiva. “O povo era soberano e tinha a autoridade suprema para exercer as funções legislativa e judiciária. Os requisitos para o pertencimento ao espaço da pólis eram a liberdade e a igualdade”.
Para os atenienses, o homem só podia exercer a política em condição de liberdade, ou seja, sem subordinação ao interesse de terceiro. Logo, só podia ser livre entre seus pares, entre iguais, ou próximos, em condição econômica, informações e conhecimentos.
O ateniense homem, não a ateniense mulher. O ateniense proprietário, não o ateniense escravizado ou não proprietário. Na cultura política do ateniense, povo se reduzia a homens proprietários.
Na Modernidade(1453 a 1789), a ideia de povo ganha novos contornos. Após o resgate da cultura clássica greco-romana pelo Renascimento, desde o século XIV, onde se resgatou a ideia de Democracia, foram os movimentos como o Iluminismo, mas principalmente o Liberalismo na grande luta contra o Absolutismo, período final do Feudalismo, em que o Rei mandava em tudo, até na vida privada dos seus súditos.
É no Liberalismo que, ao afirmar o indivíduo como parte do público, a noção de povo teria que ser radicalmente ampliada, incluindo as mulheres, os despossuídos e empobrecidos pela lógica da concentração de riqueza e poder político. Daí a ideia de República(Rés = coisa, pública = de todos e todas).
É preciso registrar que, de início, o fortalecimento do indivíduo no contexto social não negava o público, mas o Absolutismo, coisas muito diferentes. Não por acaso, a principal revolução liberal da época, a Revolução Francesa, trazia como lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Contudo, mesmo com a grande impacto, na transição do fim do Absolutismo, a Revolução Francesa não chegou a prescindir da negociação com as Monarquias, até por conta da identidade de interesses que se deu com as burguesias então emergentes. Negociações às vezes muito conservadoras, como as que mantiveram as estruturas monárquicas como na Grã Bretanha, Espanha, Suécia. Logo, Democracias que não se inscreveram por completo. Vivemos assim, ainda, a pré-história da Democracia. Não por acaso, ainda hoje, aqui como em todo o mundo, enfrentamos projetos de Sociedade autoritários e elitistas.
A Democracia, portanto, somente se verificará entre nós se cada um, uma, e coletivamente assumirmos o protagonismo de nossa autodeterminação. Sim, liberdade exige coragem, sem conhecimento dá medo, por isso é negado, temos que correr atrás. Mas se não caminharmos novos caminhos, chegaremos aos mesmos lugares. Só depende da gente.

João Tupinambá Arroyo
Prof João Tupinambá Arroyo, mestre em Economia, doutor em desenvolvimento, coordenador do Mestrado Profissional em Gestão de Conhecimentos da Universidade da Amazônia. Membro efetivo do IHGP.

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