Publicado em: 3 de outubro de 2025
O mano escreveu sobre o Círio e a falta que nossa irmã fará, ela que sempre esteve presente, nós, os cinco, também sem os nossos pais. Uma falta imensa. Moramos juntos ou estivemos no apartamento da Presidente Vargas uma vida inteira. A casa vivia uma semana de festas. No domingo, logo cedo, uma correria para acordar, pois visitas e parentes já chegavam e nós todos com caras inchadas de sono. Dá uma olhada na janela e alguém diz que o carro dos anjos já passou, ou o de Dom Fuinhas, creio ser esse o nome. E haja conversa com os parentes que vieram de Fortaleza, Rio de Janeiro, sei lá. Adalcinda veio com o Tom dos EUA. Ou os parentes daqui mesmo, que víamos apenas nesse dia. Amigos acompanham e sobem para tomar uma água e dar abraços. E chegam os seresteiros. Whisky somente depois da Santa passar. Não vale disfarçar de Guarasuco. Ouvimos um foguetório. Já passa nos estivadores! Um helicóptero faz um rasante. Curioso, abro a porta do escritório do pai e encontro homens honrados tomando whisky e me botam para fora, com carinhos, prometendo não contar. Pra Deus e o mundo. Acompanhei algumas vezes com meu pai. A partir da escadinha do cais do porto e até a sede do Remo. Poucas vezes. Alguém avisa que vem a corda! Todos correm até o terraço. Lembra daquele senhor que tinha um apito e mandava em tudo? Havia também um grupo de autoridades, todas de paletó e gravata, sérios, muito sérios, imagina. Os padres. E minha tia Tita com seu grupo de uma certa Ordem religiosa, medalha ao peito, contrita, mas fazendo adeus discreto para nós. Aquele cordão vivo e elétrico de pessoas, um chicote de fé, sem espaço para mais ninguém e a caixa de som inicia mais um canto e cantamos todos. Que cena! Amigos pela primeira vez assistindo choram. Também chora o repórter da Rádio Clube que estava lá para reportar a passagem Dela e agora, ao invés de reportar, perde a voz chorando copiosamente. Enquanto todos vão ao terraço, eu e minha mãe, mais meu pai e irmãos, nos agrupamos em uma janela. Ficamos bem juntos, rostos colados, deixando que aquela energia nos invada, nos encha de amor. Descobri que olho para Nossa Senhora e vejo minha mãe em toda sua bondade e sabedoria. A Mãe de todos também é a minha mãe a pessoa mais importante do planeta, ali, rosto colado comigo e também naquela berlinda cheia de flores, brilhando em energia no sol da manhã, palmas, foguetes, cantos. Faço minhas orações. Falo com ela. com minha mãe e com a Mãe de todos. E segue a berlinda, navegando no mar de gente. Passa mais gente. Mais gente. O apartamento em festa, bebida liberada, alguém chega com violão. Desço pelas escadas. Os elevadores estão entupidos. Sigo uns vinte metros atrás das últimas pessoas. Quero sentir a passagem de toda a multidão. Um cheiro forte. O chão molhado de água e suor. Pedaços de papel picado e mil coisas, algumas esquecidas. Um vazio após um tudo. Sensação única. Descia com meus filhos crianças para comprar brinquedos de miriti. A desculpa é que comprava para eles. Mentira. Era para mim. Subia de volta e a roda de seresta já rolava com cantores, músicos e visitas, parentes, irmãos, todos felizes, alguns ainda enxugam os olhos, discretamente. Eu me lembro disso tudo. E lembro de minha irmã, de meu pai e de minha mãe. Foram muitos anos nessa felicidade. Agora vem mais um Círio. Assisto em outro lugar. Até mais próximo, Dela. Continuo olhando e vendo minha mãe passar. Mãe de todos, minha mãe querida, de quem tanto sinto saudades. Saudades de nós cinco, que vivemos tudo isso e ainda hoje nos reunimos, amigos, irmãos, sempre irmãos. Vem aí mais um Círio.
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