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Acreditem. A juíza do trabalho Herika Machado da Silveira Fischborn, de Santa Catarina, não só anulou parte da operação que resgatou em abril de 2010 156 trabalhadores que não recebiam salários há pelo menos dois meses e estavam com seus documentos retidos pelos donos da fazenda onde colhiam maçãs, como também pediu que a Polícia Federal investigue os auditores fiscais do trabalho. Lilian Rezende, a auditora fiscal que coordenou a ação, levou o caso – cuja sentença foi proferida em março – ao Conselho Nacional da Justiça e à Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), vinculada à Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça. 

Sem dinheiro, documentos e transporte, os trabalhadores não conseguiam voltar para suas casas no interior do Rio Grande do Sul, de onde haviam saído com promessas de emprego. Eles sequer conseguiam chegar à cidade mais próxima, São Joaquim, a 40 quilômetros da fazenda onde trabalhavam, por estrada de chão. Em uma das regiões mais frias do Brasil, moravam em um barracão de alvenaria, em camas com pregos expostos, sem lençóis ou cobertores, e em colchões de espumas desgastadas. Os banheiros não tinham portas e eram integrados aos quartos, fazendo com que a água do banho escorresse por debaixo das camas e aumentasse a umidade do local. Ali também não existiam sequer vassouras e outros equipamentos de limpeza.

Por lei, o empregador é obrigado a devolver a carteira de trabalho de um funcionário em até 48 horas após a assinatura do documento. Porém, segundo a juíza, “o fato de reter a CTPS somente causa, na realidade, benefício à sociedade”. 

Segundo a magistrada – vejam só! – os auditores é que “praticaram crime” porque “forçaram, inventaram e criaram fatos inexistentes” e agiram “de forma cruel” ao permitir que os trabalhadores voltassem “ao ciclo vicioso de trabalho inadequado, vício, bebida, drogas, craca, crime e Estado passando a mão na cabeça” (!). 

O dono da fazenda, Henrique Córdova, foi governador de Santa Catarina entre 1982 a 1983 e deputado federal em 1988, pelo então Partido Democrático Social (PDS), e hoje é defendido por Ângela Ribeiro, ex-juíza trabalhista em Santa Catarina. 

A juíza sustentou que “[Os] trabalhadores são, em sua maioria, viciados em álcool e em drogas ilícitas, de modo que […] gastam todo o dinheiro do salário, perdem seus documentos e não voltam para o trabalho, quando não muito praticam crimes.” 

E inverteu a situação: a culpa é das vítimas, o empregador não responderá na Justiça pelo crime de redução de pessoas ao trabalho análogo ao de escravo e os auditores fiscais do trabalho são os únicos que continuam a ter que se defender. 

Surreal. O Brasil é mesmo o país da piada (ou da tragédia) pronta.

O caso foi publicado originalmente no site da Ong Repórter Brasil.
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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