Publicado em: 20 de julho de 2025
A criatura gosta das noites sem lua, escuras e melancólicas, quando escorre dos céus a bílis negra que afugenta seres crepusculares e soturnos. Ruas desertas e enevoadas, por onde aves agoureiras rasgam mortalhas, lúgubres, funestas. Janelas e portas fechadas, por onde suavemente penetram sons de pessoas dormindo, por entre frestas de madeira úmida. Crianças de berço dormem a sono solto nessa hora tardia, à salvo de criaturas nefastas, e um silêncio tenebroso toma conta de tudo.
Um cão de rua se esconde por debaixo de algum banco de praça, enrolado de frio. Os bêbados vadios também dormem sobre alguma escadaria deserta, cobertos pelo fino véu que desce sobre a madrugada. Sob o poste de luz bruxuleando, insetos vencidos pelo embate com a lâmpada incandescente encerram um curto ciclo de vida.
Bem longe, uma coruja vigia a noite das almas, sobre o túmulo de cal branco, no cemitério da pequena cidade. As árvores silenciosas derramam folhas mortas pelo orvalho por sobre as campas recentes, onde velas apagadas, com cera derretida derramando sobre a areia, denunciam vigília recente. Algumas flores mortas e despetaladas repousam ali, tranquilas e vencidas pelo tempo. Lá embaixo, para onde as águas da chuva correm em busca de um grande rio, nenhuma luz de barco quebra o escuro da noite plena.
Nessas noites amadas pelas bestas misteriosas, os motores que alimentam a cidade de luz elétrica costumam estar desligados, racionando o fornecimento do serviço. Então, silencia a vida moderna. Motores, máquinas, aparelhos de manter pessoas em estado de alerta estão adormecidos, desativando também a vigília de alguns insones que, sem distrações, se entregam aos braços macios da noite profunda.
Inadvertidamente, um casal de namorados se refugia no silêncio e na escuridão para trocar intimidades impróprias para a vida pública. Os amantes, sentados em uma calçada rude, de cimento cru, não percebem a chegada de uma sombra, que começa pequena, por debaixo das pedras, e vai crescendo, crescendo, até ficar enorme, erguendo-se para cima, ganhando altura de uma figura esguia, informe, saída da escuridão.
Por sorte, a mocinha, sob a luz pálida das estrelas, por cima do ombro do amado, enxerga a grande criatura, que já se prepara para envergar o corpo sobre os dois. O grito pavoroso rasga o silêncio da noite e o casal corre em desespero, seguido pela criatura que, na medida em que avança, vai crescendo em estatura e envergando o corpo em direção aos fugitivos.
A mocinha, apavorada, tropeça e vai ao chão! Quase ao alcance da criatura elástica e pavorosa! O rapaz levanta sua amada rapidamente, a tempo de salvá-la do golpe fatal, e segue a corrida frenética pelas ruas escuras, iluminada por fios de luz das estrelas vazados pela névoa noturna.
Uma corrida insana termina no portão de madeira da casa da mocinha, que o rapaz empurra vigorosamente, entra, puxando-a consigo, e se abriga com ela para dentro, escapando da perseguição da criatura. Sob o vão entre o portão e a calçada da rua é possível ver uma sombra se afastando até desaparecer. Os dois choram abraçados por algum tempo, e não têm coragem de sair à rua durante a noite por longas datas.
No outro dia, a pequena cidade está em polvorosa! Todos falam sobre a aparição do terrível homem elástico. É uma figura assustadora, que aparece em Óbidos, nas noites sem lua, durante as madrugadas silenciosas, e persegue quem está perambulando pelas ruas da cidade. Dizem que, se ele envergar o corpo sobre a vítima, é morte certa. Nos tempos em que a criatura aparecia, assombrando pessoas, o toque de recolher na pequena cidade era geral e quem se atrevesse a desafiar a escuridão da noite poderia ser a próxima vítima.
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