0
 

Sempre com um olho na apuração da trama golpista, enquanto aguardo o voto da ministra Carmen Lúcia, faço um breve apontamento das minhas impressões sobre o extenso voto do ministro Luiz Fux no julgamento da Ação Penal 2668, que apura a chamada “trama golpista” de 8 de janeiro de 2023, com uma contraposição entre os votos de Fux e do relator do processo, ministro Alexandre de Moraes.

O voto de Fux, proferido em 10 de setembro de 2025 na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, durou cerca de treze horas e divergiu profundamente das posições adotadas por Moraes e pelo ministro Flávio Dino, ambos pela condenação dos réus. Fux adotou uma postura atipicamente moderada, considerando seu histórico de julgamentos criminais rigorosos, e destacou tanto questões preliminares quanto o mérito das acusações.

Nas questões preliminares, o ministro Fux acolheu argumentos das defesas, votando pela incompetência absoluta do STF e da Primeira Turma para julgar o caso. Ele sustentou que, como os réus, incluindo Jair Bolsonaro, já não ocupavam cargos públicos à época da denúncia, perderam o foro privilegiado, o que transferiria a competência para a primeira instância da Justiça Federal. Subsidiariamente, caso se entendesse pela manutenção da competência do STF, Fux defendeu que o julgamento deveria ocorrer no plenário da Corte, e não em uma de suas turmas, dada a gravidade dos fatos imputados. Essa posição, se acolhida pela maioria, resultaria na anulação de todo o processo.

Outro ponto relevante foi a crítica ao que considerou cerceamento de defesa, em razão do volume excessivo de provas apresentadas às defesas — mais de 70 terabytes — com prazos que, segundo ele, inviabilizaram uma análise adequada. Fux comparou a prática ao “document dumping” do sistema anglo-saxão, sugerindo a anulação do processo desde o recebimento da denúncia. Também acolheu a preliminar do chamado “excesso acusatório”, ao entender que a denúncia da PGR foi demasiadamente abrangente e comprometeu o direito à ampla defesa, o que, para ele, justificaria a nulidade processual completa.

No mérito, Fux fez uma análise minuciosa e adotou uma linha mais garantista. Ele rejeitou a maior parte das acusações formuladas pela PGR, entre elas as de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Segundo Fux, a função do STF não é fazer “juízo político”, mas sim se basear em provas concretas. Ele criticou a delação premiada de Mauro Cid, apontando inconsistências, embora não tenha anulado o acordo.

No final, o ministro votou pela absolvição da maioria dos réus, inclusive Jair Bolsonaro, por considerar que não há provas suficientes que o vinculem diretamente a atos de planejamento ou execução de um golpe de Estado. Para ele, não se pode falar em organização criminosa na ausência de vínculos hierárquicos ou estrutura estável. Bolsonaro, portanto, foi absolvido de todas as acusações, e Fux enfatizou que falas políticas, ainda que infelizes, devem ser julgadas nas urnas, não no Judiciário.

Outros réus também foram absolvidos: Alexandre Ramagem, com decretação da nulidade do processo, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira. As únicas condenações no voto de Fux foram de Mauro Cid e Walter Braga Netto, ambos pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Mesmo nesses casos, Fux modulou a pena, discordando das agravantes sugeridas pela PGR e rejeitando outras imputações.

A contraposição entre os votos de Luiz Fux e Alexandre de Moraes é marcante, revelando divergências profundas tanto na abordagem jurídica quanto na forma de compreender o papel do STF diante de eventos de alta carga política. Moraes adotou uma postura rigorosa, ancorada na defesa da ordem constitucional e da democracia, considerando que os réus protagonizaram um plano articulado e comprovado de ruptura institucional. Para ele, a competência do STF e da Primeira Turma já havia sido consolidada no recebimento da denúncia, e revisitar essa questão seria meramente protelatório. Em sua visão, a fragmentação do processo com o envio de partes à primeira instância comprometeria a coerência da persecução penal.

Fux, por sua vez, divergiu de forma incisiva, defendendo a nulidade insanável desde o início, por falta de competência da Corte. Essa posição converge para os argumentos das defesas e pode vir a ser invocada em eventuais embargos ou até em cortes internacionais, especialmente se outros ministros aderirem à tese. Ao mesmo tempo, Fux impôs limites à delação de Mauro Cid, validando-a, mas restringindo seus efeitos a atos anteriores à diplomação presidencial, diferentemente de Moraes, que viu na colaboração uma prova central e plenamente válida.

Enquanto Moraes condenou todos os oito réus por múltiplos crimes, descrevendo uma sequência de atos que caracterizariam um complô institucional, Fux exigiu prova cabal de vínculo entre os acusados, rejeitando generalizações e fundamentando seu voto na lógica jurídica da dúvida razoável. Para Moraes, Bolsonaro liderava uma organização criminosa e praticou atos que atentaram diretamente contra o Estado Democrático de Direito. Para Fux, não há elementos suficientes que sustentem essa acusação nos autos.

Essa divergência expõe fraturas internas no STF. Moraes, com o apoio de Flávio Dino, posiciona-se como defensor da estabilidade democrática e da resposta institucional contra ameaças golpistas. Fux, por outro lado, reafirma um compromisso com os princípios constitucionais do devido processo legal e da imparcialidade judicial, evitando o que considera ser um ativismo judicial excessivo.

Embora o voto de Fux não altere, até o momento, o placar do julgament, que segue 2 a 1 pela condenação, ele poderá desenhar os votos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Cristiano Zanin, bem como servir de razões para recursos futuros.

O julgamento ainda poderá produzir uma maioria condenatória, mas a contundência do voto de Fux já marca o processo como um dos mais controversos argumentativamente e significativos da história recente do Supremo Tribunal Federal. Que venha o quarto voto!

Shirlei Florenzano Figueira
Shirlei Florenzano, advogada e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, mestra em Direito pela UFPA, Membro da Academia Artística e Literária Obidense, apaixonada por Literatura e mãe do Lucas.

Os campeonatos de botão

Anterior

Bolsonaro condenado

Próximo

Você pode gostar

Comentários