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Hoje estou escrevendo do The Hub Cafe no Park Regent de Londres, um recinto calmo diante de um bosque, presenteado pelo raro dia de sol do outono que precede o inverno rigoroso que as mudanças climáticas anunciam.

Olho para o Brasil e vejo o cotidiano ferver em torno de situações políticas, cenários de pretensões entre facções de direita, centro e esquerda, cada qual com seus discursos meritórios em torno de seus interesses.

Nossos filhos e netos a desenvolver em torno dessas ideologias, contudo tenho a boa impressão de que eles estarão além dessas polaridades, engajados em discursos humanitários que o mundo vem descobrindo.

Aqui no Reino Unido, os condutores de veículos automotores dirigem pela direita da viatura, os carros são fabricados assim, os volantes estão no lado destro. Entretanto a via de condução pelas ruas é utilizada pela esquerda, ou seja, os veículos se movimentam, preferencialmente, por esse lado, diferente de outras nações do mundo.

As pessoas também caminham nas ruas pela esquerda, como os carros, abrindo passagem pela direita, salvo em escadas rolantes. As bicicletas seguem a mesma orientação, ainda não me atrevi a conduzir veículos por aqui.

Lembro que as nomenclaturas ideológicas, esquerda, centro, direita, nasceram na França, período da Revolução Francesa, 1789, marcando o fim da monarquia absolutista e do antigo regime em prol das ideias iluministas que forjaram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Na Assembleia Nacional Constituinte, os espaços eram divididos fisicamente. A direita do presidente, sentavam os representantes da nobreza, do clero e dos setores mais conservadores, defensores da monarquia e da manutenção de privilégios. Passou a designar posições políticas mais conservadoras que defendiam hierarquia, tradição, ordem social estabelecida e religião associada ao poder.

À esquerda ficavam os deputados ligados ao Terceiro Estado, burgueses, artesãos, camponeses e radicais que defendiam reformas profundas, república e igualdade civil. Restava associada a ideias progressistas, igualitários, republicanos e posteriormente socialistas, comunistas e trabalhistas.

No centro se sentavam os mais moderados, que preferiam soluções de compromissos entre tradição e mudança. Propagavam uma posição de equilíbrio e moderação entre as duas tendências.

Essas nomenclaturas evoluíram com insignificantes alterações pois no atual milênio, com o estabelecimento da Era dos Direitos Humanos a partir da Segunda Guerra Mundial, aqueles que adotam um discurso humanitário em defesa da vida, da inclusão social, da igualdade, da fraternidade e da solidariedade, são rotulados como de esquerda.

O discurso humanitário me convence, confesso, sem aceitar, porém, que ele possa ser apenas da esquerda, pois minhas convicções antropológicas apostam em valores que formam a evolução social. Não dependo de nomenclaturas para reafirmar minha tendência ao humanitário, afinal acredito na dignidade humana. Meu discurso tem viés independente, onde ele estiver, lá estarei, livre de posicionamentos físicos. Em se tratando de espaços, fico imaginando como seria se fossem adotados pontos cardeais, norte, sul, leste, oeste, ou até colaterais, nordeste, sudeste, sudoeste e noroeste ou quem sabe planos superiores e inferiores, onde estaria situado o discurso humanitário?

Quando comecei a lecionar Direitos Humanos na Universidade da Amazônia, mostrando minhas pesquisas sobre o que o nazismo fez com os judeus na República Tcheca, outras nações da Europa, e ao mesmo tempo defender a criação de um Estado Palestino, alguns alunos me classificaram como da esquerda e eu lhes respondia que ao defender esse discurso me enquadraria nesse polo, então paciência.

Uma amiga escritora em visita ao Japão semana passada me escreveu, também dizendo não saber em qual grupo estaria classificada, considerando a imperfeição de cada uma dessas representações. Eu também me confessei da mesma maneira, guardada minhas ênfases de coerência ou repugnância sobre o que apresentam.  Assim vou mantendo meu discurso neste mundo cheio de fariseus que anunciam diariamente falsas mensagens, muitas delas vestidas de religiosidades e adiando meu desafio de conduzir algum veículo aqui em Londres, qualquer dia, conhecendo novos sentidos, somando aos que já conheço.

Ernane Malato
Ernane Malato é escritor, jurista, humanista, mestre e doutorando em Direitos Humanos pela PUC/SP e FADISP/SP, professor e pesquisador da Amazônia em diversas áreas sociais e científicas no Brasil e no exterior, membro das Academias Paraenses de Letras, Letras Jurídicas, Jornalismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Pará, atualmente exercendo as funções de Cônsul Honorário da República Tcheca na Amazônia.

A decadência da moral social

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