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Estava ouvindo música no carro. Serve para aturar as cada vez mais impossíveis manobras que outros condutores em diferentes veículos cometem. Começo a ouvir “Deus lhe pague”, com Chico Buarque. É de um disco importante na carreira do bardo, pela qualidade das músicas e arranjos. Escutamos Chico e muitas vezes, não damos a devida atenção às melodias, tanto que nos prendemos a degustar as letras e trabalhar na mente as imagens poéticas sugeridas. Se invertermos a situação, será outro deslumbre. Nem vou citar nada porque minha sintonia foi para outro detalhe da gravação, o arranjo da música. Preste atenção aos instrumentos usados, às decisões tomadas, como que sublinhando, comentando cada compasso, cada idéia, é uma delícia. Para mim o arranjo é do genial Rogério Duprat, que foi o “George Martin” da Tropicália. Mas fui à internet e em um trabalho acadêmico, o autor revela que também cometeu esse erro, até saber que a obra foi de “Magro”, um dos integrantes do Mpb4, grupo que muitas vezes acompanhou Chico em gravações e shows. Era uma época genial da música brasileira, de alta competitividade entre os artistas, apresentando trabalhos inesquecíveis. “Deus lhe pague”, deixemos de lado letra e melodia, para festejar logo de início o berimbau usado com caxixi, para marcar o ritmo. Vem um piano, grave, conduzindo a melodia e uma flauta comentando. Em momento de ápice da canção, o Mpb4 entra com côro e a orquestra está praticamente rugindo, dando sua opinião sobre tudo, o que é genial. Roberto Menescal foi o produtor, e que produtor, hein? E ainda há “Construção”, que causou, digamos, abalos por sua beleza. É quando penso na diferença entre a qualidade da música de antes e a de hoje onde raramente orquestras são usadas e maestros tão criativos, sumiram. O arranjo inicia na onda da canção, que fala do cotidiano maçante e miserável, mas à medida em que as queixas aumentam, sobe um redemoinho de notas que leva nossa mente ao máximo da excitação com música, letra e a orquestra, furiosa. Fiquei tão feliz ao ouvir que resolvi escrever a respeito, como se escrevesse, apenas, para mim.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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