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 “O caso OAB
Tocar um restaurante rural na periferia de Belém, mesmo na beira do
rio Uriboquinha, em meio a floresta, pássaros, gente boa, papos sem fim, banho
de igarapé, licor de jamburana, é tudo de bom. Mas cansa. Ainda mais aos
setenta e dois anos de idade.
Dizem que o homem para se sentir realizado tem que fazer um filho,
plantar uma árvore e escrever um livro. Ditado besta, mas tenho quatro filhos,
plantei muitas árvores, escrevi poucos livros. Meia dúzia, se muito. Continuo
escrevendo livros, plantando árvores e colhendo netos. E, como disse, tocando o
Restaurante Rural Terra do Meio, em Marituba. Mas longe de me sentir realizado.
Em meio a estes devaneios bate o telefone. Era a professora Ivonete,
aliás, Doutora Netinha, para os íntimos e para todo mundo, da Universidade
Federal do Pará, convidando-me para proferir a palestra de abertura da Semana
de Literatura no auditório do Campus de Altamira. Mandaria as passagens. O tema
seria a Historia e histórias de Altamira no ano de seu centenário. Caiu a sopa
no mel.
Desde que saiu a sentença irreversível(?) para a construção da
hidrelétrica de Belo Monte que planejo uma viagem ao Xingu, mais exatamente a
Altamira, com incursões necessárias rio acima e rio abaixo e Transamazônica.
Não exatamente viagem sentimental como sempre faço para rever parentes, amigos
de hoje e de sempre, o rio, a Ilha do Arapujá, as praias, as cachoeiras, a lua.
Faz dez dias que estou aqui. Era lua cheia quando cheguei.
A minha gente, o rio, as praias, a lua, tudo no lugar. Como sempre.
Apenas o velho casarão da família, o Meu Sossego, fora demolido pelo novo
proprietário, o senhor Silvério Fernandes, rico empresário financiado da Sudam
e vice-prefeito de Altamira. Teria ouvido um boato que pretendiam tombar como
patrimônio histórico. Ele se adiantou e o “tombou” antes. Estava no seu
direito. Acho até que nem precisava se incomodar com isso, não faz o perfil da
administração municipal, “desenvolvimentista”, andar se preocupando com essas
coisas.
Desta vez queria sentir o pulsar da cidade. As notícias que chegavam
até mim eram desencontradas e inverossímeis. Nitidamente passionais.
Compreensivelmente passionais. O Xingu é assim mesmo, mundia as pessoas, que
logo se arvoram em suas guardiãs. Claro que não devia ser assim. Conheço bem
esse povo. Qualquer coisinha faz logo um estardalhaço.
Por isso vim e estou aqui há dez dias. Agora posso começar a contar o
que vi e ouvi. E garanto a vocês: é bem pior!
Não vou fazer relatórios chatos, circunstaciados, técnicos ou
analíticos, até porque, não sei fazer. Faltam-me talento e arte. Vou apenas
escrever cartas procurando fugir dos adjetivos e abordando o substantivo. Da
maneira mais simples que a minha compreensão puder alcançar.
O caso da venda do terreno da
OAB, Ordem dos Advogados do Brasil
Sucintamente, só para rememorar: a prefeitura deu um terreno para a
OAB construir sua sede. A OAB o vendeu.
A verdade há que ser sempre o fato, por exemplo: o copo quebrou. Se
foi o vento que derrubou, se foi o menino traquinas que esbarrou, não muda a
verdade primária e insofismável. O copo quebrou.
Do mesmo modo, a prefeitura pobre de Altamira, em nome de um povo
pobre deu um terreno para a OAB construir sua sede. A OAB não construiu sequer
um quartinho e o pôs a venda.
Se foi vendido para um diretor da Ordem, para o João ou para a Norte
Energia, por trinta mil, trezentos, ou três milhões de moedas é irrelevante, no
meu entender. São questões adjetivas. O substantivo é que, mesmo “legal”, e
disso os doutores entendem muito bem, é imoral, torpe, injusto, apropriar-se de
um bem público de um povo de todo carente, apenas para especulação imobiliária.
Isso, sabemos nós, e os “doutores” mais ainda, chama-se
patrimonialismo definido por Weber. A prática espúria, antirrepublicana da
transferência do patrimônio público para propriedade privada. É, acima de tudo,
herança absolutista desde sempre que permanece indelével na legislação do
século XXI. Não sei se o doutor Claudio Lamachia previu isso quando escreveu a
Missão Constitucional da OAB. Se o fez esqueceu de mandar uma cópia para o
Pará.
Essa historinha da OAB, não tem nada a ver com o motivo maior das
cartas que me propus escrever, mas era uma questão não digerida, uma espinha
atravessada na garganta. Não que eu tenha a mínima esperança que a Ordem tenha
a decência de devolver ao povo de Altamira o patrimônio “legalmente esbulhado”,
se é que tal figura existe, ou mesmo, quem sabe, por ser uma entidade rica e
poderosa, construir uma creche, uma praça, uma biblioteca.
Não fora a OAB a vanguarda da Justiça, por vezes várias antecessora da
lei, e se poderia invocar em sua defesa que tal prática é useira e vezeira ou,
no seu próprio dialeto, consuetudinária. Aqui e alhures.
Até posso entender a atitude singular do advogado que vem para este
fim de mundo, zona de fronteira, para se dar bem. Enricar. Pior seria,
reconheço, sem eles, mas a Entidade OAB é outra coisa. Um dia se haverá de contar
sua luta em defesa das liberdades democráticas. De seus posicionamentos justos
contra o Poder, mesmo ao arrepio de convicções e interesses pessoais de seus
dirigentes. Enfraquecer a OAB é dar munição aos inimigos do povo. É enfraquecer
a democracia.
É madrugada. Chove forte sobre o Xingu, mesmo assim, logo cedo, devo
encarar a Transamazônica até Belo Monte para entrevistar o seu Ferreirinha. Ele
tem mais de noventa anos e teria, diz-que, acompanhado o Jimmi nas peripécias
de esconder o filho do David Rockfeller pescando no beiradão do Baixo Xingu.
Mas isso é outra história.
Amanhã ou depois cometerei outra missiva da série “Delenda Altamira.
Atenciosamente,
André Costa Nunes”
 
(Do escritor, marqueteiro,
restaurateur, blogueiro e parauara gente boa André Nunes, em seu blog Tipo Assim… Folhetim)
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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