A palavra bem cunhada é ouro em letra. Antes do jogo da escrita, é preciso estar íntimo com ela; convidá-la a entrar para o texto. Não pode ser embate, confronto. Deve ser enlace, amizade. Deixe-a entrar e se acomodar confortavelmente no sofá da sala. A pressa em bater-lhe os ombros, abraços efusivos e beijos cruzados na face – como no trato com velhos amigos – é a promessa do fracasso nesse encontro inicial.
Sirva um chá à palavra. De início, é bom um digestivo. Em seguida, estude-lhe os gestos. Uma derrapada para dentro da poltrona, um descuido postural, um sorriso… São convites codificados à intimidade. A esta altura, a idéia começa a vestir-se da palavra: sua mais suntuosa roupa.
Prepare a aproximação dos corpos. Risos soltos, pausas reticentes, elipses verbais e sugestões. Sirva-lhe um vinho: é apropriado para enfrentar a verdade do texto. Abre-se ensejo para um toque de mãos, um passeio à varanda; talvez efemérides.
Entrosados, sirva um uísque à palavra, com a advertência de apanhar adequadamente o gelo. Não é excessivamente asséptico poupar a palavra da intimidade de fluidos corporais. É apropriado para o arroubo, para o excesso textual, para a comunicação de fronteira; ou para estrondoso malogro. É um risco!
Nunca interrompa bruscamente esse encontro! Não convide a palavra a se retirar, não a expulse do texto: é o perigo do coito interrompido. Amenize os gestos, mitigue o sorriso, tensione o corpo suavemente em sinal de cansaço: ela decodificará. Deixe-a levantar-se primeiro. À saída, faça o enjambement, como promessa de agradável reencontro. Ela retornará. É infalível a lógica de que o convidado prudente enamora-se facilmente pelo conforto da casa do bom anfitrião.”
(Belo e apropriadíssimo texto com que a comentarista Shirlei nos brinda para o café da manhã no blog.)
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