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O recente fluxo migratório de paraenses para Santa Catarina tem ganhado visibilidade. Num primeiro momento, lideranças locais — como o prefeito de Florianópolis e o governador do Estado — destacaram as contribuições dos paraenses à economia e à cultura catarinense, especialmente através da gastronomia amazônica. Contudo, não tardaram a surgir discursos oportunistas que tentam explorar esse movimento, promovendo medo e preconceito sob o pretexto de evitar a “favelização” das cidades — um eco da retórica anti-imigração que se espalha pelo Ocidente.

Entre esses discursos, destaca-se o de um vereador de Joinville que, em busca de holofotes, lançou frases de efeito como “O Pará é um lixo” e “Belém é 57% favela” — frases prontas para viralizar nas redes. À primeira vista, suas declarações podem parecer críticas direcionadas ao governo estadual, e não aos paraenses. No entanto, há dois problemas centrais nesse tipo de fala: a desinformação factual e a estigmatização social.

Primeiro, Belém não é majoritariamente formada por favelas. A afirmação ignora a diversidade de formas urbanas da Amazônia. A “favela”, enquanto tipologia urbana, é típica do Sudeste e do Sul — marcada por traçados irregulares, autoconstrução em morros e ausência de infraestrutura básica. Já nas periferias amazônicas, prevalecem arruamentos definidos, alinhamentos entre fachadas e distinção clara entre espaços públicos e privados. São bairros populares, sim, com sérios desafios de saneamento e segurança, mas não se enquadram na morfologia da favela.

O segundo problema é o uso político do estereótipo. Ao associar Belém a uma “cidade-favela”, cria-se um enquadramento que marginaliza toda uma população. Essa retórica não é nova: nos anos 1960, “favelado” virou sinônimo de exclusão nas metrópoles brasileiras; na Amazônia, o termo “invasão” cumpriu papel semelhante, marcando territórios de moradia popular como ilegais e seus habitantes como invisíveis.

O resultado é cruel: populações periféricas tornam-se mais vulneráveis — à ausência de saneamento, aos deslizamentos, aos alagamentos e à violência. Discursos como o desse vereador não apenas perpetuam o preconceito, mas reforçam as estruturas que produzem a desigualdade urbana. No fim, não resolvem problema algum — a não ser o de quem busca “lacrar” nas redes à custa da dignidade alheia.

Acilon Cavalcante
Arquiteto e urbanista apaixonado por cidades, histórias e pessoas. Tem mestrado em Artes, mestrado em Arquitetura e é doutorando em Mídias Digitais pela Universidade do Porto. Premiado em projetos de planejamento urbano, já atuou com governos e ONGs no Brasil, Canadá e Portugal, sempre conectando urbanismo, design participativo e sustentabilidade. Gosta de transformar dados em ideias e ideias em cidades mais humanas.

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