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A expressão significa andar por aí com a intenção apenas de se distrair, sem compromisso de horário, sem destino certo, ou como diz Caetano Veloso na música “Alegria Alegria”, “caminhando contra o vendo, sem lenço e sem documento”. Observação oportuna: para muitos, o lenço é um dos últimos vestígios do cavalheirismo, pois os homens os carregam para as mulheres, quando elas choram…

Ou seja, “bater pernas” é sair sem objetivo definido, podendo ser uma ida às compras, visitar um amigo ou passear nos recantos da cidade, em lugares bonitos que ela tem, que jamais são notados quando a pessoa está ao volante do carro, atento à buraqueira das ruas ou tentando escapar das loucuras do trânsito, cada vez mais caótico e incivilizado.

Não existe registro de como ou quando surgiu essa expressão, que é meramente figurativa, de puro contexto popular. Pode até mesmo ser considerada uma gíria, uma expressão idiomática, visto que o sentido literal dos termos – “bater” e “pernas” – não é exatamente o que ocorre na prática, pois ninguém caminha batendo uma perna na outra.

Em muitos lugares do Brasil é comum ouvir frases do tipo: “Já vai bater perna por ai”? “Vamos bater perna no shopping hoje”? “Estou de folga do trabalho e vou tirar o dia para bater pernas” ou “nas minhas férias, vou viajar e bater pernas pelo mundo”. Mas o que isso significa exatamente? Em resumo, essa expressão coloquial quer dizer andar a esmo ou como diz a turma mais jovem, dar um ‘rolê’ pelos lugares mais badalados.

A verdade é que a origem certa dessa expressão permanece desconhecida. Pode-se especular que ela pode ter surgido a partir da observação sobre o ato mecânico de caminhar, quando alguém movimenta as pernas – só que, ressalve-se novamente – no ato de caminhar ninguém bate as pernas uma na outra. Outra versão propala que sua origem seria uma possível analogia com o movimento repetitivo dos pássaros ao “baterem as asas”. Mas como os humanos se locomovem com os membros inferiores, “bater perna” passou a ser usada para representar figurativamente o deslocamento sem objetivo pré-definido.

“Batendo perna nas bibliotecas”, é o nome de um Projeto de Extensão da Escola de Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, tão emblemática é a expressão para conceituar quem perambula sem rumo, em busca de alguma coisa. Entretanto, sendo um recurso linguístico, expressões idiomáticas como “bater perna” não se confundem com os conhecidos “ditados populares”, considerando que a característica destes, é serem frases curtas e de efeito, que passam um ensinamento, uma lição, uma advertência.

Um exemplo: “O sujo falando do mal lavado” – para enfatizar a contradição de alguém sabidamente desonesto, que exige honestidade de outrem. E qual o ensinamento ou advertência que “bater pernas” transmite? Nenhum. Tampouco pode ser considerada como uma metáfora, que são figuras de linguagem que também utilizam o verbo bater, com vários significados, como: bater de frente, bater o pé, bater o martelo, bater boca, bater as botas, bater em retirada, bater papo, etc.

Ana Cristina da Costa e Jorge Fernando Ribeiro Trindade compuseram o excelente samba intitulado “Batendo Perna”, cujo trecho aqui transcrito bem traduz o espírito despreocupado de quem segue sem rumo, livre de compromissos: “Já bati de frente // Perdi e ganhei // Também teve gente // Que incomodei // Mas de mão beijada // Juro ganhei nada // Por qualquer parada eu não me curvei // Por isso tô batendo perna // Tô batendo perna // Tô batendo perna…”.

O poeta, ficcionista, tradutor e crítico literário gaúcho Carlos Nejar, membro da Academia Brasileira de Letras, na conversa que teve com André Argolo (participação no PublishNews), fala da sua solidão, de seus livros e da sua enorme vontade de “bater pernas pelo país e falar o quanto puder, de poesia, assunto de sua vida inteira, em conferências, palestras, onde for”. No caso, tanto os dois compositores, como o imortal da ABL, usaram a expressão com o mesmo e intencional sentido: sair por aí sem preocupações, para fazer o que lhes der vontade…

Célio Simões
Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. É membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

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