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Uma boa parte dos sonetos de Antônio Tavernad são verdadeiros minirromances, inclusive com diálogos e outras características do gênero mais alongado da prosa romanesca só que tais características condensadas à forma fixa de quatorze versos, geralmente decassilábicos, com singular maestria.

É o nosso mais moço dos poetas paraenses, nascido em Icoaraci, distrito da capital do estado, viveu infelizmente até a perigosa fase dos 27 anos.

O famoso Clube dos 27 contempla a idade das grandes transformações na identidade, espiritualidade, momento delicado inclusive quando o gênio esbarra no temível limite da morte e por aquilo que os místicos falam de o “Retorno de Saturno”, quando o deus cobrador exige maturidade e responsabilidade por volta dos trinta anos.

Entre nós, na História da Literatura Paraense, observei que alguns poetas viveram o drama de alguma luta, um “agon” como destaquei no meu livro Moços & Poetas, a palavra “agon” do grego, significando luta, é a mesma usada pelos poetas que viveram a sua juventude em Belém do Pará.

Isso ficou evidente em três nomes da poesia paraense: Mário Faustino, Paulo Plínio Abreu e Antônio Tavernard.

Foram artistas da palavra que lutaram contra alguns desígnios do destino, seja contra doenças ou diante do ardil da metapoética luta corporal do verbo em seus poemas.

Antônio Tavernard chegou a prever a morte no colo da mãe em um de seus poemas e Mário Faustino, por sua vez, viu a sua “morte espacial que me ilumina” em um de seus poemas, antevendo o acidente aéreo em Lima, no Peru, aos 32 aos de idade.

Destaco também Paulo Plínio Abreu, este, em especial, um argonauta, por tematizar a lírica história de Orfeu, e um “agonauta” da palavra, em sua luta a defender do mito como a “quilha” a sustentar a linguagem e não mais a poesia, que quanto mais lírica mais fragmentada se torna, restando da vida a “salsugem” da longa e errática viagem da existência.

O famoso Clube dos 27 atingiu, para mais ou para menos, não só os românticos Álvares de Azevedo (20), Castro Alves (24), Casimiro de Abreu (21), John Keats (25) como os astros da música Janis Joplin (27), Jimmi Handrix (27), Jim Morrison (27) e Amy Winehouse (27), e de volta à literatura com a promissora poetisa Sylvia Plath (30).

Antônio Tavernard morreu aos 27 de um ataque cardíaco, sofria da hanseníase que à época era incurável.

É o nosso mais Moço dos Poetas.

Minha tese é que a sua poesia não transborda a dor ou sofrimento como até se lê em alguns de seus poemas, mas tem algo de alegria e vivacidade na maioria de seus quase 200 poemas, temas relacionados ao vigor da juventude e à alacridade, essa empatia vivaz para com a vida.

Pelo sofrimento da hanseníase, seus poemas deveriam escrever sobre essa tragédia que o atingiu em sua plena mocidade. Defendo, todavia, que a sua poética está diretamente ligada a esse “agon” da juventude, vivida sob o vigor da experiência consciente de uma poética dramática, romântica, plural, moderna, metapoética, – repito – vivaz e alegre (“álacre”, termo repetidamente usado pelo poeta) e até de um sedutor, um Don Juan, como se lê no soneto “Resposta”.

  • Aliás, seus sonetos são minirromances, pequenas peças da dramaturgia lírica da mais alta qualidade a poesia paraense, selecionei dois, um bem paraense, a falar de uma brincadeira que não existe mais, “A Berlinda”, jogo de perguntas e respostas a uma pessoa em especial e um segundo, revelando apenas ao toque das mãos um eu-lírico pulsando a juventude de um romântico donjuanesco e sedutor.

A BERLINDA

Tu te lembras, meu bem, daquela noite linda,

Em que nós dois, na infância descuidada,

Brincávamos, rindo, em gargalhada,

Nesse belo brinquedo de berlinda?!

Pareço ouvir, perfeitamente, ainda,

A voz da tua irmã, que fora sorteada,

Perguntar, sorridente, a turma alvorotada,

Porque motivo estavas na berlinda…

−’’Porque é bonita!” − disse alguém ao lado

−”É porque é boa e sem nenhum pecado!”

−”porque ela é feia…” − eu disse brincalhão.

Eu não sabia, então, doido menino,

Que a tua berlinda, por força do destino,

Seria dentro do meu coração!…

RESPOSTA

“Nunca sentiste amor?” — me perguntaste

Naquela tarde de melancolia

Em que nas minhas mãos eu aquecia

A doce mão que tu me abandonaste.

Calei. De novo então interrogaste:

“Nunca sentiste amor?” E logo, fria,

Vendo que, mudo, nada eu respondia,

Das minhas mãos a tua retiraste.

Mas, retomei a tua mão morena

Tão mimosa e sutil, tão linda, tão pequena

De unhas cor de rosa e cútis de veludo.

E apertei-a com uma tal meiguice

que, se a minha boca nada disse,

A minha mão foi te dizendo tudo.

(Antônio Tavernard, 1908-1936)

  • Do livro Moços & Poetas, São Paulo: Paco Editorial, 2016. Benilton Cruz
Benilton Cruz
Benilton Cruz é doutor em Teoria e História Literária, professor de alemão e do Curso de Letras-Português e Letras-Libras da UFRA, Campus Belém, autor dos livros: Olhar, verbo expressionista – O Expressionismo Alemão no romance “Amar, verbo intransitivo de Mário de Andrade; Moços & Poetas – Quatro Poetas na Amazônia - Ensaios Sobre Antônio Tavernard, Paulo Plínio Abreu, Mario Faustino e Max Martins; Espólios para uma Poética – Lusitanias Modernistas em Mário de Andrade; pesquisador e perito forense, editor do blog Amazônia do Ben; editor do Canal de Poemas No Meio do Teu Coração Há um Rio, no Youtube. Diretor da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará; e membro eleito da Academia Paraense de Letras.

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