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Como resultado da colonização que suprimiu centenas de idiomas, oficialmente falamos a língua portuguesa na Amazônia e no Brasil. Mas este artigo não é para questionar os muitos porquês deste fato e sim para falar de uma peculiaridade: a forma como são chamados os dias da semana em português, diferentemente de outras línguas europeias. Enquanto em idiomas como o inglês e o espanhol, os dias da semana são referências aos deuses romanos e aos astros (respectivamente, Monday e Lunes significam o “dia da Lua”, por exemplo), em português é “segunda-feira”, que não tem, aparentemente, absolutamente nada a ver com nada.

A origem da diferença entre o português e outras línguas europeias está em uma ação de Martinho de Dume, que foi bispo de Braga, em Portugal, conhecido como o apóstolo dos Suevos, e que foi figura central no Primeiro Concílio de Braga, realizado entre os anos de 561 e 563. Na ocasião, ele propôs uma reforma nos nomes dos dias da semana, a mando de São Cesário, bispo de Arles, com o objetivo de combater o paganismo romano. Até então, os dias da semana seguiam a tradição romana de atribuir a cada dia uma divindade ou astro. O “dia do Sol”, Solis Dies, era considerado o principal dia da semana, destinado ao descanso e à adoração dos deuses, que trariam bênçãos para os dias subsequentes. O “dia da Lua”, Lunes Dies, correspondia ao satélite terreste, o segundo astro mais importante no culto romano. Martis Dies, ou “dia de Marte”, o Deus da guerra, era reservado para as artes militares e os exercícios físicos. O “dia de Mercúrio”, Mercuri Dies, era dedicado ao patrono dos comerciantes e viajantes. Jovis Dies, o “dia de Júpiter”, considerado o Deus-Pai, era associado à criação da natureza, às chuvas e às colheitas. Veneris Dies, o “dia de Vênus”, era o momento em que os soldados romanos recebiam seus pagamentos em ouro. Finalmente, o último dia da semana, Saturni Dies, era consagrado a Saturno, o Deus do tempo, e dedicado à reflexão, ao convívio familiar e ao descanso.

Com a crescente influência do cristianismo após o Concílio de Nicéia, algumas mudanças, apesar de não uniformes, foram implementadas na Europa, como a consagração do primeiro dia da semana ao Dies Dominica (“dia do Senhor”), em referência a Jesus, e a transformação do sétimo dia em uma referência ao Shabbat judeu. No que viria a se tornar Portugal, Martinho de Dume foi além das diretrizes do Concílio de Nicéia e alterou radicalmente a nomenclatura dos outros dias da semana, que passaram a ser Feria Secunda(segunda-feira), Feria Tertia (terça-feira), Feria Quarta (quarta-feira), Feria Quinta (quinta-feira), Feria Sexta(sexta-feira), e Sabbatum (sábado). A palavra Feria significava originalmente “festa” e era uma referência às festas litúrgicas, que com o tempo e a evolução da língua foi adaptada para “feira”.

Toda essa mudança tinha como objetivo apagar a associação dos dias com divindades romanas, substituindo-as por uma nomenclatura que refletisse o cristianismo. Martinho de Dume também tentou alterar os nomes dos planetas conhecidos na época, mas essa proposta foi rejeitada. Quando Portugal se unificou como Estado, a tradição de usar essas designações já estava enraizada há décadas e os nomes foram mantidos.

A alteração, que reflete os esforços da Igreja Católica de suprimir as culturas ancestrais, e que foi levada para as colônias portuguesas, incluindo o Grão-Pará e o Brasil, faz todo o sentido ter acontecido a partir de Braga, já que a cidade portuguesa antecede ao cristianismo e à Igreja Católica (o Arcebispo de Braga é tradicionalmente considerado o Primaz das Espanhas, um título honorífico que lhe confere precedência sobre os demais bispos de Portugal e Espanha, embora, na prática, essa primazia seja principalmente simbólica). Apesar de haver indícios de que os romanos não foram os primeiros a ocupar este local, sendo quase certo que um povoado lusitano tenha precedido o estabelecimento da civitas romana, celebra-se o “nascimento” do centro urbano como Bracara Augusta, uma cidade romana estabelecida por César Augusto em 27 a.C. O imperador visitou pessoalmente a península ibérica em 26 a.C. após conflitos internos entre os líderes de Roma e, durante este período, ao restabelecer seu controle sobre a região entre os Pirenéus e a Galécia, fundou a cidade. Bracara Augusta (ou Bracarn Augusta) servia como conexão entre as regiões do Minho e da Galícia, sendo a capital da Galécia e fazendo parte da província romana de Tarraconense. De lá partiam estradas romanas que levavam a Conímbriga (atual Coimbra), a Asturica Augusta (atual Astorga), e a outras diversas cidades e regiões do Império. Bracara Augusta foi uma cidade de destaque na época, conhecida pela produção e comercialização de cerâmica graças à abundância de argila e outras matérias-primas na região. A cerâmica campaniense ainda constitui uma parte significativa dos vestígios romanos encontrados ali. As ruínas de Bracara Augusta fazem parte do valioso patrimônio histórico da cidade e todo ano sua origem romana é celebrada em um grande festival chamado “Braga Romana”.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

João Cláudio Arroyo no estande do IHGP

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