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Sempre gostei de jornais. Claro, fui criado vendo meu avô agarrado aos jornais do dia e bem adiante, recebendo Lux Jornal, de uma organização que recebia suas preferências de assuntos e mandava semanalmente, pregado em pequenos papéis, as notícias interessantes, dos mais diversos assuntos. Depois meu pai trabalhava na assessoria de imprensa do BASA e diariamente levava para casa jornais inteiros do Rio de Janeiro em são Paulo. Logo ficamos íntimos do cheiro do papel. Das páginas de esportes, das crônicas dos melhores jornalistas do Brasil. Nelson Rodrigues, Otto Maria Carpeaux, Fernando Sabino, Tarso de Castro, Paulo Mendes Campos, enfim. Isso nos formou em termos de redação, equilíbrio de opiniões, nos preparou para a profissão que escolhemos, eu e meus irmãos. Já taludo, mas ainda sem dinheiro para comprar nas bancas, me socorria do amigo Edwaldo Martins, agora assessor de imprensa do BASA, que me facultava, uma vez por semana, todos os exemplares do Jornal do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo, Jornal da Tarde, Estado de São Paulo, O Dia e ate Tribuna de Imprensa. Era uma farra. Isso sem contar os jornais locais, claro. Eu tinha uma coluna, diária, em A Província do Pará, comentando discos novos e dando notícias da área. Aos domingos, uma página inteira para escrever sobre assuntos interessantes para os mais curiosos. Quando o jornal deixou de existir, uma lamentável decisão, parei. À época, já fazia jornalismo na Rádio Clube do Pará. Então veio o Zeppelin, junto a meu irmão Janjo e Luiz Braga. Inicialmente, dois números independentes, mil exemplares, distribuídos gratuitamente, até que fomos chamados ao Liberal, recebidos por Romulo Maiorana que nos jogou no fogo, saindo anexados ao jornal de domingo. Saímos de mil para 80 mil exemplares. Foi uma escola. Grandes lembranças. Finalmente, alguns anos depois, eu e Janjo, lançamos uma espécie de revista, chamada Top, aos domingos encartada em O Diário do Pará. Foi bom enquanto durou, mas nos sentimos muito cansados após dar conta de vários números. A essa altura, tudo o que lemos, vimos, redigimos em uma vida inteira, estava ali nessas páginas. Um amor desmedido pelos jornais. A essa altura, tinha um acordo com a Banca do Alvino para ler os jornais do sul em troca de propaganda da banca, uma maneira de seguir com o vício dos jornais. Aos domingos, voltava para casa com aquele bolo de papel. Hoje leio pela internet, mas quando chego ao Rio e SP, corro e compro para matar a saudade, sentir o cheiro. Pena que não há mais o Jornal do Brasil. Era o meu preferido. Charme, informação, conceitos, jornalistas, assuntos e repito, o charme do Rio. Acabou mal, infelizmente. Mas foi grande. O livro que Luiz Gutemberg escreveu é valioso para jornalistas, estudantes ou meramente interessados na história do Brasil até a metade do século XX. Conto rápido. Nasceu em 1891, mas até o novo século se envolvia em brigas políticas. Ernesto Pereira Carneiro, pernambucano, dono de navios, ganhou tanto dinheiro, sobretudo na Segunda Guerra que comprou o jornal. Havia feito doações para o Vaticano e recebeu, do papa, o título de Conde, que passou a usar para sempre. Mudou-se para o Rio. Casado, sua esposa faleceu. Casou então com Maurina, uma dama de companhia da Condessa que não era Condessa, apenas o marido. Mas a nova esposa adotou para sempre. Condessa Pereira Carneiro. O JB não disputava com os outros jornais, que falavam de política, futebol e fofocas. O Conde, que estudou na Inglaterra, lançou o jornal praticamente sem notícias, mas lotado, completamente lotado de anúncios, pequenos anúncios, tipo precisa-se de uma empregada e mil outros assuntos. O jornal era rico. Pronto. O Conde morreu. A “Condessa” queria um jornal de verdade. Tinha amigos que chamaram amigos. Chamaram Odylo Costa, filho, figura importante, junto ao governo, respeitado por todos. Queriam um jornal moderno. Tiveram de encomendar rotativas. As do jornal eram pré-históricas. Foram juntando gente jovem, inteligente, audaz e sempre fazendo jornalismo de verdade, pouco ligando para outras maneiras, menos honestas. Mas aí o Brasil pegava fogo. Getulio partiu. Havia JK, Carlos Lacerda, General Lott, caramba, uma confusão. Brasil campeão em 1958. Bossa Nova. Brasília! Oscar Niemeyer. Chegaram Alberto Dines e Jânio de Freitas. Amilcar Pinheiro e Reinaldo Jardim quebraram todo o design do jornal e o transformaram no mais lindo, rivalizando, mais tarde, com o Jornal da Tarde, de SP. Os caras conseguiram. Para ajudar a Condessa veio Nascimento Brito, casado com a filha da condessa. Primeiro mexia com rádio, depois no jornal. O JB crescia, mas também crescia a vontade de Nascimento Brito ter mais. Havia uma tensão no ar. Nascimento chamou Odylo e sem delongas, disse que iria demitir quarenta redatores, dos 97 que havia. Odylo disse que sairia. Não, por favor, não é assim, vamos pensar melhor. Não. Adeus. Uma pena. Odylo, com muita ajuda, criou o famoso JB, que ainda durou um bom tempo, belo como sempre. A Condessa partiu, houve maus negócios em tempos ruins e o jornal foi parar em mãos erradas. Que pena! Hoje é só saudade. Zózimo, Ana Maria Bahiana, Tárik de Souza, José Emilio Rondeau. Gente que me fez a cabeça. Vale a pena ler.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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