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Perdemos um ícone do urbanismo mundial em solo brasileiro. Mas você sabe o que é uma
Cidade Esponja? Nesta semana, o mundo se despediu de Kongjian Yu, arquiteto chinês responsável por difundir o conceito de Cidade Esponja – uma abordagem de planejamento urbano inspirada nos processos da natureza, voltada a enfrentar enchentes, escassez de água e os impactos das
mudanças climáticas. Antes, porém, de destacar as contribuições do modelo chinês, é preciso reconhecer alguns pioneiros. No final do século XIX, o paisagista americano Frederick Law Olmsted já mostrava o potencial dos parques e da infraestrutura verde como instrumentos de resiliência, ao integrar cidade e natureza em Boston, sobretudo em áreas úmidas e zonas de contato com o mar. No Brasil, algumas décadas depois, o urbanista Jaime Lerner, em parceria com o paisagista Abrão Assad, aplicou princípios idênticos aos das Cidades Esponja, ao criar o Parque Barigui, em Curitiba, há cerca de 50 anos. O espaço se tornou exemplo pioneiro de parque multifuncional: área de lazer em períodos secos e, ao mesmo tempo, bacia de contenção em dias de chuvas intensas. Reconhecer esses antecedentes não diminui em nada a visão de Kongjian Yu. Ao contrário, reforça sua relevância. Se na China – um país cuja realidade social permite intervenções de grande escala com baixa pressão social – o conceito prosperou, e se no sul do Brasil soluções semelhantes já demonstraram eficácia, a questão que se coloca é: o que ainda falta para que cidades amazônicas, tão vulneráveis a alagamentos, adotem essa estratégia? A resposta não é simples. Implementar uma Cidade Esponja exige repensar a forma como vivemos e como construímos nossas cidades. Curitiba dos anos 1970 contou com um planejamento centralizado, quase autoritário. A China de hoje opera sob um regime político que permite intervenções rápidas, sem grandes processos de negociação social. Já a Belém contemporânea é marcada por múltiplas pressões: de moradores em áreas precarizadas até oligopólios de serviços e comércio. Pensar uma Belém-esponja demandaria, por exemplo, discutir um Plano Portuário que reposicionasse os portos da zona Sul – do Guamá ao Jurunas – em plataformas offshore, liberando essas áreas para a criação de parques e estruturas verdes com capacidade de absorção e resiliência semelhantes às propostas chinesas. É apenas uma ideia entre muitas possíveis, mas que deve ser trazida ao debate público. Afinal, são os moradores das áreas informais, historicamente esquecidos, que mais sofrem com os alagamentos.

Acilon Cavalcante
Arquiteto e urbanista apaixonado por cidades, histórias e pessoas. Tem mestrado em Artes, mestrado em Arquitetura e é doutorando em Mídias Digitais pela Universidade do Porto. Premiado em projetos de planejamento urbano, já atuou com governos e ONGs no Brasil, Canadá e Portugal, sempre conectando urbanismo, design participativo e sustentabilidade. Gosta de transformar dados em ideias e ideias em cidades mais humanas.

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