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No uso doméstico, é um equipamento de tecido com formato de biruta de aeroporto, que na vertical serve para guardar sacos plásticos, nele inseridos pela parte de cima e retirados por baixo. Geralmente fica pendurado na copa ou cozinha e serve até de elemento decorativo, com vários desenhos, frases, bordados e estampas diferentes, dependendo do gosto das donas de casas e podem ser comprados em lojas de utilidades domésticas ou de artesanato. 

Sem qualquer alusão ao puxa-saco domiciliar, velho refrão proclama também que “O CORDÃO DOS PUXA SACOS CADA VEZ AUMENTA MAIS…”. Esse sim e não aquele, é objeto da crônica de hoje, para que fique aclarada a sua origem e em que sentido é usado no nosso português de cada dia.

É de sabença geral que “puxar saco” é a atitude de bajular (do latim bajulare) servilmente a outrem. Não é difícil encontrar quem pratique abertamente a bajulação, pelo vezo compulsivo de entregar elogios excessivos e derramados, que visam afagar o elogiado, seja para conseguir recomendar-se, buscar aprovação, conseguir prebendas ou merecer aplausos dos circunstantes. 

Eles medram em todos os ambientes. Nos escritórios, escolas do ensino fundamental ou superior, empresas, quartéis, clubes, redações dos jornais, nas associações civis e comerciais, nada escapa à nefanda presença dos aduladores. Os chamados “mãos-de-seda” são exemplos rematados de subservientes à cata de simpatias, da sonhada promoção funcional ou do recebimento de alguma outra vantagem, que a falta de talento lhes sonega.

A televisão tirou proveito da sabujice, quando na “Escolinha do Professor Raimundo” liderada pelo genial Chico Anísio, divertiu o público com a figura de Rolando Lero, imortalizada pelo ator Rogério Cardoso, que antes de responder a qualquer pregunta, derretia-se num preâmbulo que virou sua marca inconfundível: “AMADO MESTRE, MEU INCONTESTÁVEL GURU, QUISERA EU SER UM ESCRAVO FUGITIVO, PARA PODER ABRIGAR-ME COM SEGURIDADE, NO QUILOMBO DO VOSSO CORAÇÃO”.

Armando Volta, o “Sambarilove”, também aluno da “Escolinha”, protagonizado pelo ator David Pinheiro, era outro bajulador inveterado, usando como artifício para agradar o mestre, presenteá-lo sempre com mimos escolhidos a dedo, alardeado com o seu conhecido bordão: “A PROPÓSITO DIGNÍSSIMO, VINHA EU PARA ESSA MARAVILHOSA AULA, QUANDO VI ESSE BELO ESTOJO DE CANETAS E AÍ PENSEI – PORQUE COMPRÁ-LO, PORQUE NÃO COMPRÁ-LO; COMPREIO-O, ACEITE, É DE CORAÇÃO, SEM O MENOR INTERESSE…”, com essa estratégia garantindo boas notas, facilitadas pelas “dicas” dadas pelo professor para garantir o acerto das respostas.

A figura do bajulador, convenhamos, não deixa de ser um retrato da nossa sociedade, onde há sempre alguém disposto a rasgar elogios para obter vantagens. São tipos que vivem na ânsia de cair nas boas graças de alguém ou de serem beneficiados por esse comportamento servil. Jamais comentam algum assunto diretamente, pois seu DNA lhes pespegou o palavreado meloso que antecede qualquer intervenção. É patético, mas verdadeiro. E agem como se isso fosse à coisa mais natural na face da terra.

Há os que não precisam dessa encenação para serem aceitos, felizmente a maioria. São bem resolvidos, não cultivam esse costume, talvez por terem na memória a máxima Shakespeare: “AQUELE QUE GOSTA DE SER ADULADO É DIGNO DO ADULADOR”. Ser amigo desse tipo de pessoa é complicado, porque todo bajulador é um falso. A bajulação é a moeda falsa que só circula por causa da vaidade humana. A cada louvaminha, o ego do lisonjeado infla tal qual um baiacu rajado, após ser fisgado na água turva dos manguezais.

Mas como surgiu essa expressão? Dizem que se originou nos quartéis brasileiros como apelido dado aos recrutas e praças que nas viagens ou deslocamentos da tropa, carregavam os sacos de suprimentos e os pertences dos superiores. Na caserna ronda a maldosa versão sobre o coronel que tendo esquecido o relógio, pergunta a hora para o soldado bajulador, obtendo como resposta: – “Que hora o senhor quer que seja, comandante?…”. Com o passar do tempo, “PUXA SACO”, tal qual o recurta da piada pronta, passou a se referir  ao sujeito servil que lisonjeia outro, prestando-se a vilanias para obter algum ganho, por mais módico que seja.

Em contrapartida, ser adulado e até gostar disso é aceitar as oblações, deixar-se inebriar no turbilhão do fogaréu incensado pelo bajulador, vulgarmente conhecido como escova-botas, capacho, chaleira, louvaminheiro, mesureiro, sabujo e servil, termos que descrevem com nitidez o badameco que agrada alguém que lhe pode propiciar vantagens. 

Quer identificar um deles? Observe um figurão sendo entrevistado. Atrás dele tem sempre um baba ovo sorrindo, concordando, aplaudindo. São “papagaios-de-piratas” assumidos. Os demais que se danem para conseguir aparecer ao lado do chefão! Aspiram eles ser da copa e da cozinha do mandão, precisam ganhar a importância, precisam lisonjear pois do contrário não se afirmam.

Na música brasileira, Zeca Pagodinho arrasou, interpretando “O PUXA SACO”, composição de Alamir Filho, Levy Viana e Roberto Lopes da Costa:

“BOTOU O NOME DO PATRÃO NO FILHO E DEU
A FILHA DELE, ORGULHOSO PARA BATIZAR
O CARA VIRA BICHO SE ESCUTA ALGUÉM FALANDO
MAL DO CHEFE, ELE QUER BRIGAR
NÃO MEDE SACRIFÍCIO E DIZ QUE É O SEU OFÍCIO FAZER TUDO
E MAIS UM POUCO QUE O PATRÃO MANDAR

SE O CHEFE CHORA, ELE CONSOLA, TAMBÉM CHORA
SEM DEMORA PEGA UM LENÇO PARA ENXUGAR…
SE A PIADA É SEM GRAÇA, NEM DISFARÇA, ELE É O PRIMEIRO
PUXA O CORO PARA GARGALHAR, É O QUERIDINHO DO PATRÃO
É PROTEGIDO, BABA OVO, PELA SACO
É UM CARRAPATO QUE NO SACO DÁ!

Cansada de ser preterida, a gaúcha Luciana Azevedo criou um curso, batizado de ”PUXA-SACO SEM FRESCURA”, que ensina adular de forma metodológica, promovendo o aprendizado dos seus alunos nessa arte, sem que eles percam por completo a dignidade – se isso é mesmo possível. Seriam os primeiros bajuladores profissionais do País, aptos para a tarefa em troca de progressão funcional nos locais de trabalho. Diz ela que o retorno tem sido muito positivo, segundo o feedback dos próprios alunos treinados para essa tarefa.

Por igual, o escritor Ademar Gomes lançou o livro de humor intitulado “MANUAL DO PUXA-SACO” (Editora Venture, 1993). A obra, caprichosamente ilustrada, fornece dicas irônicas sobre como se tornar um bajulador de sucesso, trazendo valiosas informações como a eliminação da própria personalidade, a mitigação do amor próprio, o jogo de cintura para agradar o chefe, gargalhar das suas piadas, mesmo aquelas manjadas, etc. O adulador sabe que vai ser olhado com reserva pelos demais, mas… e daí? Aos interessados, boa leitura!

Célio Simões
Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. É membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

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