0
 

A expressão “Carpe Diem” (cárpe díame), traduzida como “aproveite o dia”, de Horácio (“Óratio”), poeta que viveu a época da poesia elegíaca e metafísica, revela a essência da língua latina: equilíbrio, concisão e medida.

Não era uma poesia declamatória e sim espiritualmente lírica, fragmentária, a tocar os temas inexoráveis que causam desconforto à vida, como a morte ou as sortes do destino – textos sempre carregados de uma divina dualidade:

– a reflexão filosófica e os temas universais como o amor, a morte, a temporalidade.

Admirar Horácio é alentar a alma das coisas que não podemos mudar.

O poeta das famosas Odes entendia que as musas existem como espírito e que nos ouvem e elas têm comportamento próprio para cada situação. 

Cloe (a pronúncia latina seria “Clóe”) era uma delas, as outras eram:

Lydia, 

Clio, 

Cloris, 

Licia, 

Neera. 

A musa é a companhia do silêncio do poeta por isso sua solidão é povoada da riqueza de fontes de uma obscura reminiscência feminina da criação.  

A seguir, um poema meu que imita Horácio, confessando à fictícia “Cloe” lamentos que, na verdade, se transformam em filosofia, texto aparentemente carregado de uma misantropia, essa aversão à humanidade, como muitas vezes, Horácio escrevia, na verdade, distanciando-se do convívio humano para pensar e escrever, principalmente quando o tema era sobre a brevidade da vida.

E sobre essa questão do distanciamento para com a humanidade sobra tempo, portanto, para conhecer a natureza, e deveras a nossa também natureza humana. 

Afinal, até na natureza há dias em que o mar está insociável, diria o poeta, há dias em que o vento está revolto, a feminina natureza tem lá seus momentos de ira, seus arroubos.

E novamente a questão mais debatida da metafísica: afinal se o tempo passa o que realmente fica?

O tempo flui para nós, não para a eternidade. 

O saturnino deus romano do tempo é corrosivo.

Era assim na religião deles.

O deus Saturno, o Senhor do Tempo, nos cobra responsabilidade, amadurecimento, justiça, estrutura e senso de realidade  – essas mesmas qualidades observadas à época de Quintus Horatius Flaccus, o nome completo do poeta.

– Carpe Diem.

A mitologia é o nome que damos à religião dos outros, diria Joseph Campbell e poesia é aquilo que fica, o que é fundado pelos poetas, escrevia Hölderlin, o poeta alemão que imitava a sintaxe grega e latina em suas germânicas (e gregas e latinas) Odes.

Há uma larga tradição (de “tradere” – trazer) uma técnica de compor a poesia – e como é bela a dramaturgia da ficção poética, e nisso os romanos entenderam-na melhor do que os gregos, que não tinham uma palavra adequada à ficção. 

Os gregos falavam da mímesis (imitatio, imitação); e por sua vez, a ficção (fictio, fictionem, fingere, fingir) só veio depois, com os latinos: a latinidade tem um poderoso conceito da arte de fingir.

Volto a Horácio.

Volto ao presente.

Volto à realidade.

– Sim, Cloe é a musa imaginária do poeta que transforma as irreparáveis perdas ao tempo à divina alegria do fugaz presente.

NÃO CONFIA NADA A NINGUÉM, CLOE

Não confia nada a ninguém, Cloe,

Que pouco dura na humana memória.

Só o coração é sepultura

Do que sentes na dor ou na ventura.

Portanto, evita o gládio

Dos amores e toma

O momento presente como verdade 

– O mais, a névoa baça

Como a incerta esperança

Do mesmo sol do passado

Dourar as promessas do futuro.

Ao tempo só pertence este segundo

Que o perdes, Cloe.

Colheo-o enquanto passa.

Afinal, quem eram as musas?


As “pedras de toques”, expressão criada por Ezra Pound, e muito usadas no Brasil por Mário Faustino, eram citações de versos que muito chamavam a atenção de quem lia a obra de um poeta. 

Afinal, “nada maior do que um toque” dizia Walt Whitaman, em uma citação no jornalzinho impresso pela editora Brasiliense, nos idos dos anos de 1980, e comum aos leitores que frequentavam a livraria Jinking’s em Belém do Pará.

Minhas pedras de toque da edição:

OBRAS D E HORÁCIO, TRADUZIDAS EM VERSO PORTUGUÊS, POR JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO, TOMO 1. Os quatro Livros das Odes, e Epodos. 

LISBOA, NA IMPRESSÃO REGIA, Anno 1806.

(acesso: www.literaturabrasileira.ufsc.br)

“MEu illustre Brazão, meu firme amparo, Ó Prole de Monarcas, ó Mecenas!”

(ODE I. A Mecenas)

“Alma da Natureza , oh Sol , que o dia Trazes , e levas no brilhante coche , Nada vejas maior , gyrando a Terra , Que a Soberana Roma.”

“Se de Euterpe a sabor, e de Polymnia, Empunho a frauta ,e o Lésbico alaúde ; Mas se aos Lyricos Vates tu me agregas, Ver-me-has, Mecenas , revoar nos Astros.”

(A APOLO, E À DIANA)

“Desce com meigo aspecto Ou tu, Vénus rizonha, 

A cujo lado o Rizo, e as Graças voam. 

Ou tu , Marte feroz , se inda piedoso 

Volves da Esfera luminosa os olhos 

Aos desprezados teus míseros Filhos.”

(ODE II. A Cczar Augusto)

“Se era tardo até ali o extremo golpe, 

Então foi prompta em nos ferir a Morte.”

(ODE III. Ao Navio, que conduzia Virgílio)

“A frouxa luz da prateada Lua, 

Conduz das Nynfas Cytherea os Coros; 

Vem com elas as Graças, 

e alternadas a dura Terra pisam”

(ODE IV, a Publio Sexto)

“Ele, incauto, imagina 

Que há de ser doutro amor teu peito intacto, 

Ele, que hoje te abraça, e cego espera 

Que não serás mudável…”

(ODE V, à Pirra)

“Apenas canto festivais Banquetes, 

Os combates das tímidas Donzelas, 

Que do Moço atrevido o rosto ferem: 

E inda que arda de amor na chama imensa, 

Sempre volúvel sou, sempre inconstante.”

(ODE VI, a Agripa)

“Esforçados Guerreiros, quantas vezes 

Mores males comigo suportasteis! 

Apolo me afiança 

A fundação de nova Salamina: 

As mágoas desterrai; duras fadigas 

Sepultai no Licor do alegre Bromio, 

A manhã sulcaremos 

No proceloso Mar de novo as ondas.”

(ODE VII, A Numacio Planco)

“Por que se esconde, dize, qual o Filho 

Da maritima Thetis 

Nos dizem se escondera 

Antes que Tróia se tornasse em cinzas!”

(ODE VIII, à Lydia) 

Benilton Cruz
Benilton Cruz é doutor em Teoria e História Literária, professor de alemão e do Curso de Letras-Português e Letras-Libras da UFRA, Campus Belém, autor dos livros: Olhar, verbo expressionista – O Expressionismo Alemão no romance “Amar, verbo intransitivo de Mário de Andrade; Moços & Poetas – Quatro Poetas na Amazônia - Ensaios Sobre Antônio Tavernard, Paulo Plínio Abreu, Mario Faustino e Max Martins; Espólios para uma Poética – Lusitanias Modernistas em Mário de Andrade; pesquisador e perito forense, editor do blog Amazônia do Ben; editor do Canal de Poemas No Meio do Teu Coração Há um Rio, no Youtube. Diretor da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará; e membro eleito da Academia Paraense de Letras.

Falta bom senso nos enfeites de Belém

Anterior

Comida revela valores, histórias, crenças, tradições e relações de poder

Próximo

Você pode gostar

Comentários