Publicado em: 26 de setembro de 2025
A expressão “Carpe Diem” (cárpe díame), traduzida como “aproveite o dia”, de Horácio (“Óratio”), poeta que viveu a época da poesia elegíaca e metafísica, revela a essência da língua latina: equilíbrio, concisão e medida.
Não era uma poesia declamatória e sim espiritualmente lírica, fragmentária, a tocar os temas inexoráveis que causam desconforto à vida, como a morte ou as sortes do destino – textos sempre carregados de uma divina dualidade:
– a reflexão filosófica e os temas universais como o amor, a morte, a temporalidade.
Admirar Horácio é alentar a alma das coisas que não podemos mudar.
O poeta das famosas Odes entendia que as musas existem como espírito e que nos ouvem e elas têm comportamento próprio para cada situação.
Cloe (a pronúncia latina seria “Clóe”) era uma delas, as outras eram:
Lydia,
Clio,
Cloris,
Licia,
Neera.
A musa é a companhia do silêncio do poeta por isso sua solidão é povoada da riqueza de fontes de uma obscura reminiscência feminina da criação.
A seguir, um poema meu que imita Horácio, confessando à fictícia “Cloe” lamentos que, na verdade, se transformam em filosofia, texto aparentemente carregado de uma misantropia, essa aversão à humanidade, como muitas vezes, Horácio escrevia, na verdade, distanciando-se do convívio humano para pensar e escrever, principalmente quando o tema era sobre a brevidade da vida.
E sobre essa questão do distanciamento para com a humanidade sobra tempo, portanto, para conhecer a natureza, e deveras a nossa também natureza humana.
Afinal, até na natureza há dias em que o mar está insociável, diria o poeta, há dias em que o vento está revolto, a feminina natureza tem lá seus momentos de ira, seus arroubos.
E novamente a questão mais debatida da metafísica: afinal se o tempo passa o que realmente fica?
O tempo flui para nós, não para a eternidade.
O saturnino deus romano do tempo é corrosivo.
Era assim na religião deles.
O deus Saturno, o Senhor do Tempo, nos cobra responsabilidade, amadurecimento, justiça, estrutura e senso de realidade – essas mesmas qualidades observadas à época de Quintus Horatius Flaccus, o nome completo do poeta.
– Carpe Diem.
A mitologia é o nome que damos à religião dos outros, diria Joseph Campbell e poesia é aquilo que fica, o que é fundado pelos poetas, escrevia Hölderlin, o poeta alemão que imitava a sintaxe grega e latina em suas germânicas (e gregas e latinas) Odes.
Há uma larga tradição (de “tradere” – trazer) uma técnica de compor a poesia – e como é bela a dramaturgia da ficção poética, e nisso os romanos entenderam-na melhor do que os gregos, que não tinham uma palavra adequada à ficção.
Os gregos falavam da mímesis (imitatio, imitação); e por sua vez, a ficção (fictio, fictionem, fingere, fingir) só veio depois, com os latinos: a latinidade tem um poderoso conceito da arte de fingir.
Volto a Horácio.
Volto ao presente.
Volto à realidade.
– Sim, Cloe é a musa imaginária do poeta que transforma as irreparáveis perdas ao tempo à divina alegria do fugaz presente.
NÃO CONFIA NADA A NINGUÉM, CLOE
Não confia nada a ninguém, Cloe,
Que pouco dura na humana memória.
Só o coração é sepultura
Do que sentes na dor ou na ventura.
Portanto, evita o gládio
Dos amores e toma
O momento presente como verdade
– O mais, a névoa baça
Como a incerta esperança
Do mesmo sol do passado
Dourar as promessas do futuro.
Ao tempo só pertence este segundo
Que o perdes, Cloe.
Colheo-o enquanto passa.

Afinal, quem eram as musas?

As “pedras de toques”, expressão criada por Ezra Pound, e muito usadas no Brasil por Mário Faustino, eram citações de versos que muito chamavam a atenção de quem lia a obra de um poeta.
Afinal, “nada maior do que um toque” dizia Walt Whitaman, em uma citação no jornalzinho impresso pela editora Brasiliense, nos idos dos anos de 1980, e comum aos leitores que frequentavam a livraria Jinking’s em Belém do Pará.
Minhas pedras de toque da edição:
OBRAS D E HORÁCIO, TRADUZIDAS EM VERSO PORTUGUÊS, POR JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO, TOMO 1. Os quatro Livros das Odes, e Epodos.
LISBOA, NA IMPRESSÃO REGIA, Anno 1806.
(acesso: www.literaturabrasileira.ufsc.br)
“MEu illustre Brazão, meu firme amparo, Ó Prole de Monarcas, ó Mecenas!”
(ODE I. A Mecenas)
“Alma da Natureza , oh Sol , que o dia Trazes , e levas no brilhante coche , Nada vejas maior , gyrando a Terra , Que a Soberana Roma.”
“Se de Euterpe a sabor, e de Polymnia, Empunho a frauta ,e o Lésbico alaúde ; Mas se aos Lyricos Vates tu me agregas, Ver-me-has, Mecenas , revoar nos Astros.”
(A APOLO, E À DIANA)
“Desce com meigo aspecto Ou tu, Vénus rizonha,
A cujo lado o Rizo, e as Graças voam.
Ou tu , Marte feroz , se inda piedoso
Volves da Esfera luminosa os olhos
Aos desprezados teus míseros Filhos.”
(ODE II. A Cczar Augusto)
“Se era tardo até ali o extremo golpe,
Então foi prompta em nos ferir a Morte.”
(ODE III. Ao Navio, que conduzia Virgílio)
“A frouxa luz da prateada Lua,
Conduz das Nynfas Cytherea os Coros;
Vem com elas as Graças,
e alternadas a dura Terra pisam”
(ODE IV, a Publio Sexto)
“Ele, incauto, imagina
Que há de ser doutro amor teu peito intacto,
Ele, que hoje te abraça, e cego espera
Que não serás mudável…”
(ODE V, à Pirra)
“Apenas canto festivais Banquetes,
Os combates das tímidas Donzelas,
Que do Moço atrevido o rosto ferem:
E inda que arda de amor na chama imensa,
Sempre volúvel sou, sempre inconstante.”
(ODE VI, a Agripa)
“Esforçados Guerreiros, quantas vezes
Mores males comigo suportasteis!
Apolo me afiança
A fundação de nova Salamina:
As mágoas desterrai; duras fadigas
Sepultai no Licor do alegre Bromio,
A manhã sulcaremos
No proceloso Mar de novo as ondas.”
(ODE VII, A Numacio Planco)
“Por que se esconde, dize, qual o Filho
Da maritima Thetis
Nos dizem se escondera
Antes que Tróia se tornasse em cinzas!”
(ODE VIII, à Lydia)
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