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(Ode ao domingo)

Ela desperta antes que a lua abandone a noite,

Com um último sussurro de névoa,  

Se ergue esguia sob véus tecidos em silêncio mudo,  

olhos cegos ainda guardam o rastro de estrelas caídas,  

Dentro de poços de desejo onde tempo fermenta segredos.  

Solitária, avança sobre as sombras das palmeiras,

Folhas de orvalho ainda frias e linhas invisíveis no ar,  

Sussurros do vento, amante infiel,  

Carrega para o Norte os nomes que nunca ousarei recitar.  

Mágica, sua pele alva é um mapa de constelações,  

Esconde cicatrizes de uma saga de ausências,  

Gargalhadas sonoras se perdem distantes,

E um suspiro dentro da gota de orvalho,

Inunda de vazio o perfume de flores se abrindo.

Vejo-a, ou talvez a invente, Oceano de angústia recente,

Calafrios de melancolia  caindo das bordas do outro ser,  

Ela, rainha de um reino efêmero,

Cíclica em sua ausência, eterna em sua saga infinita.  

Se a manhã tocar a pele de seu rosto, ela  derreterá em brumas,  

deixando o rastro de uma nota floral-chipre atrás de si,

Te convidando para descobrir  o que ela jamais revela,  

Mestra de enigmas; habilidosa tecelã de histórias.

Ela mora depois de um crepúsculo,  

Levanta de pés desnudos,

Pisa sobre a tez imprecisa da manhã,  

Seus braços longos entrelaçam raízes de plantas antigas,  

Beberrona de segredos ocultos no ventre da terra.  

Alegre, depois de missas solenes,

Ela traz o dia por entre os dedos oscilantes,  

Cada onda um adeus de encontros que o tempo adiou,  

Seus olhos de furtar a cor, onde se afogam tardes inteiras,  

Batem no coração um relógio com o ponteiro a boreste.

Vozes são  rumores de cachoeiras altas,  

Caindo sobre a fumaça doce de incensos queimados,  

Fazendo  curvas nas estradas de ilhas perdidas,  

De onde o amor, náufrago, veio e mergulhou ondas fatais.  

Em sonhos fragmentados, ela geme baixinho,

E corta a alma com a lâmina de saudades marrons,  

Ela, a anfitriã de calendários antigos,

Situados entre o fim e o recomeço,  

Transpõe abismos e intervalos,

Soberba em seu teatro dançante.  

E quando o sol abandona sua festa de cores,

Ela se despede, criança teimosa,  

Com o ponteiro do relógio quebrado à meia-noite,

Desfolhando pétalas de amor-me-quer,  

De onde se ouve o eco de um coração acelerado,  

Uma certeza diáfana que se arrasta nos ciclos de eterno retorno.

Shirlei Florenzano Figueira
Shirlei Florenzano, advogada e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, mestra em Direito pela UFPA, Membro da Academia Artística e Literária Obidense, apaixonada por Literatura e mãe do Lucas.

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