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Em julho, tão logo a Feira do Açaí foi entregue, logo surgiram pichações que geraram por um lado indignação, por outro reflexões. Por que isso aconteceu?

Na tentativa dar respostas ao pixo, vou recorrer à outra questão: o que faz alguém sentir-se de Belém? E, em seguida, vou relacionar esse sentimento à COP30, razão da reforma vandalizada. As respostas do que faz alguém se sentir belemense parecem óbvias: a comida, a música, as roupas, o artesanato, o jeito peculiar de falar. Todos esses elementos compõem uma identidade paraense — ou até amazônida. Mas sentir-se pertencente a Belém exige reconhecer-se em um lugar – espaço – e em uma comunidade – uma rede de pessoas com as quais interagimos.

Reconhecer a relação entre o pertencimento, o lugar e as pessoas aponta para o fato de que o sentimento de pertença caminha junto com o sentimento de lugar e o de comunidade, sendo dimensões construídas por meio de experiências individuais e coletivas. E é justamente aí que Belém tem falhado nas últimas décadas. Apesar do esforço de valorização cultural em nível estadual, a cidade mergulhou em um processo de degradação ambiental, urbana e social, que tenta-se reverter através de obras da COP30, como a Feira do Açaí. São obras de infraestrutura e novos equipamentos urbanos, muitos deles esperados há décadas, mas que na dinâmica de concepção e execução alijaram a população – ou seja, a comunidade.

Megaeventos internacionais são frequentemente usados como catalisadores de regeneração urbana. Barcelona nas Olimpíadas, Glasgow na COP, Cidade do Cabo na Copa do Mundo — os exemplos são muitos. Mas quando as infraestruturas falham em criar identidade com a comunidade local, os legados se tornam dívidas e equipamentos subutilizados – ou degradados. Esse processo, chamado de Cultural Displacement, desconecta a população dos espaços públicos.

Em Belém, sinais desse deslocamento já aparecem. Existem bares no fim da Avenida Tamandaré que quase fecharam por não serem considerados nas obras do Parque Linear da Tamandaré. Ademais, estruturas recém-inauguradas permaneceram fechadas à população, transmitindo a sensação de que “aquele espaço não era para eles”. E, no caso da Feira do Açaí, a pichação que surgiu logo após a reinauguração gerou polêmica, mas também revelou um pertencimento marginalizado. O mesmo ocorre em praças e equipamentos urbanos recentes, como a Batista Campos, já tomada pelo pixo meses após a entrega.

É importante compreender as causas desse fenômeno. Quem picha inscreve no espaço urbano uma marca de pertencimento a um território do qual se sente excluído. Não se trata de justificar o vandalismo, mas de reconhecer que o pixo é também uma manifestação cultural – sim, pichação faz parte da cultura de uma cidade – que surge tanto à margem da lei quanto da sociedade.

Por outro lado, quando o pertencimento é latente, a comunidade cuida do espaço: evita a degradação, age coletivamente diante de problemas e pratica as chamadas gentilezas urbanas — pequenas ações que mantêm vivo o espírito comunitário. O resultado de uma relação íntima entre a comunidade e o espaço é a conservação e o cuidado, evitando que qualquer tipo de vandalismo seja praticado, ou se for, que seja logo solucionado sem necessariamente ter que esperar pela gestão municipal.

A questão central é que a COP vai passar, mas as obras vão ficar. E caberá a nós decidir: elas serão símbolos da identidade belemense ou apenas novas telas para a arte subversiva da pichação?

Acilon Cavalcante
Arquiteto e urbanista apaixonado por cidades, histórias e pessoas. Tem mestrado em Artes, mestrado em Arquitetura e é doutorando em Mídias Digitais pela Universidade do Porto. Premiado em projetos de planejamento urbano, já atuou com governos e ONGs no Brasil, Canadá e Portugal, sempre conectando urbanismo, design participativo e sustentabilidade. Gosta de transformar dados em ideias e ideias em cidades mais humanas.

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