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“O diabo é o diabo não porque é o diabo. É o diabo porque é velho”. Era muito jovem quando ouvi pela primeira vez essa frase, dita por um amigo que repetia o que seu pai dizia. E era tanto diabo junto que fiquei alguns minutos arrumando as ideias enquanto repetia baixinho a frase: “o diabo é o diabo não…”.

Mas, afinal, como foi que surgiu a ideia de diabo? Inicialmente a concepção da constituição do universo era da seguinte forma: o mundo dos deuses; o mundo médio, onde estavam os homens; e o mundo inferior ou inferno, para onde iam todos os que morressem, independente de serem bons ou maus, não havendo qualquer relação entre ética e religião. Os deuses, portanto, eram soberanos e, por isso, absolutamente tudo o que acontecia, fosse bom ou mau, era por vontade deles.

A ideia de diabo começa com o zoroastrismo, no antigo império persa, durante o reinado de Ciro quando este, diferente dos demais conquistadores que apenas saqueavam os lugares subjugados, anexa-os ao seu império, mas deixa-os livres para viverem de acordo com suas culturas. O zoroastrismo é considerado uma das primeiras formas de monoteísmo. Foi criada por Zaratustra ou Zoroastro, para os gregos, e se baseia na luta entre o bem e o mal, representados por Ahura Mazda e Ahriman, respectivamente. Muito do que observamos nas religiões cristã, islâmica e judaica, como a visão dualista de bem e mal e seus conceitos de céu e inferno, de dia do julgamento final, de salvador, bem como a ideia do diabo, são provenientes do zoroastrismo.

A descrição do diabo como uma figura horrenda, com pés de bode, rabo e chifres, é decorrente da mescla da cultura erudita dos monges e teólogo medievais com a cultura popular eivada de superstições e paganismo. A fome, as pestes e o desmantelamento do sistema feudal, bem como a assimilação da cultura grega e seus deuses contribuíram para a representação do diabo com características inumanas.

Mas, curiosamente, uma das primeiras coisas que aprendemos com o passar dos anos é que, diferente da história que nos contaram quando crianças, o “diabo” não é feio, não tem chifres e nem cheira a enxofre, muito pelo contrário, é belíssimo e encantador. Moldado pelos anos, lapidado pelas experiências, maquiado pela necessidade. Assim, o mito mais uma vez cumpre sua função revelando o humano com todas as suas nuanças através da condensação da noção de sabedoria justificada pelas inúmeras experimentações de luz e de escuridão, de opulência e de miséria, do expectável e do inesperado, do poder e da impotência, da resignação e da revolta, da ordem e do caos, dos erros e dos acertos e da fortuna e das desventura com as quais as pessoas se deparam no transcorrer da vida. O uso do diabo como exemplo é justamente por ser aquele que experimentou o céu e o inferno, Portanto, conhece intimamente os sentimentos humanos e suas aflições.

É incontestável que o tempo cronológico e o acúmulo de experiências são importantes ingredientes nas batalhas do cotidiano. Porém, é a capacidade de extrair conhecimento e atribuir sentido às experiências passadas que nos livra de algumas ciladas. O grande problema é que muitas vezes, focados demais no outro, esquecemos que o maior adversário somos nós mesmos e que é preciso, antes de tudo, combater o mal que habita em nós.

France Florenzano
France Florenzano é psicanalista, pós-graduada em Suicidologia pela Universidade de São Caetano do Sul. Whatsapp: (091)99111-5350 Instagram: psifranceflorenzano

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