Publicado em: 19 de julho de 2025
Belém amanhece com cheiro de chuva e, às vezes, de tucupi. Tem dias em que parece que a cidade inteira tá fervendo em panela grande. O vapor sobe das calçadas, da bacia no fogo, da lembrança. É como se o céu lembrasse que somos filhos da mandioca, e, por consequência, do tempo.
Porque tucupi não se apressa. Tucupi espera. Ele escorre, borbulha, repousa. Ferve por horas pra depois descansar mais ainda. Como minha avó dizia, “tucupi bom precisa cansar antes de ficar bom.” E cansa. Ferve a tarde toda na beira do fogão, enquanto a casa vai se impregnando daquele cheiro ácido, amargo, doce. Quase uma música de fundo, só que em cheiro.
A primeira vez que provei tucupi eu chorei. De susto, não de emoção. Era ácido demais pra minha boca de criança que só conhecia o gosto da merenda. Mas minha mãe olhou e disse: “engole, menina, isso é o sabor do mundo.” E era.
Hoje eu entendo. Tucupi não é só um líquido amarelo. É ancestralidade líquida. É mandioca braba que virou afeto. É ciência popular, paciência cozinhada, magia fervente. É o que sobra quando a gente tira tudo da mandioca: o veneno, o medo, o excesso, e fica só o essencial.
E no fim do dia, quando o jambu canta na língua e o pato se rende ao caldo dourado, Belém vira mais Belém. E eu viro mais eu.
Tucupi é tempo.
E o tempo, às vezes, tem gosto.
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