Publicado em: 14 de julho de 2025
Este texto é uma homenagem e uma reparação histórica. Quando lemos o sobrenome no título deste texto, não fazemos ideia a quem se refere. Francisca Menezes ou Francisquinha Menezes, indubitavelmente foi uma das intelectuais da segunda metade do século XX. Mulher, mãe, professora, escritora e educadora, invisível ao circuito literário paraense. A força do patriarcado não permitiu, assim como ainda não permite, com poucas e raras exceções, mulheres que se lançam a romper esse sistema. Dito isso, passo a mostrar, a vivência da mulher em epígrafe deste texto.
Em 1921 o escritor Bruno de Menezes frequentador das rodas literárias belemense e lutador das causas operárias, sindicalistas e cooperativistas, casa-se com Francisca Sales dos Santos, nascida em Chaval, zona do agreste do Ceará no dia 04 de outubro de 1896. O primeiro encontro entre os dois aconteceu no ano anterior na “casa do maçom Joaquim Maia, na Rua São Mateus, hoje, Padre Eutíquio. Alonso Rocha, príncipe dos poetas paraenses, disse que dona Francisquinha foi à casa do maçom para declamar versos do poeta Olegário Mariano. Dona Francisquinha teve uma infância pobre e, coincidentemente, trazia consigo a herança de uma vida marcada pela seca nordestina, especificamente a do Ceará. Uma de suas filhas, Marília Menezes, religiosa do precioso sangue de Cristo, hoje morando em Manaus, com seus 93 anos, informou que, seus pais – “Francisco e Maria Santos, agricultores pobres, tiveram 3 filhos homens e uma mulher. Com a vida sofrida do sertão cearense, Francisco e Maria morreram cedo, e seus tios vieram com a família para Belém, trazendo Francisca adolescente. Um de seus irmãos, Helvécio, funcionário público, morreu no Ceará. Os outros irmãos se chamavam Achiles (foi marinheiro) e Osvaldo, e a irmã se chamava Zeili. Na casa dos tios, Francisca foi criada, trabalhando arduamente como doméstica e estudando com a filha de seus tios, na então Escola Normal do Pará, onde foi aluna aplicadíssima, sobretudo na língua portuguesa, diplomando-se com louvor.
Vários aspectos comuns entrelaçaram a vida do casal: Francisca e Bruno de Menezes, ambos eram pobres, suas famílias oriundas do Estado do Ceará e que provavelmente chegaram a Belém fugindo da grande seca que marcou a região no início do século XX.
Dona Francisquinha, professora normalista, formada provavelmente na década de 1910, contribuiu enormemente na organização familiar orientando, segundo sua convicção, o aprendizado religioso da família e contribuindo na construção do pensamento do esposo e literato. Irmã Marília Menezes falou que a sua mãe teve um papel importantíssimo na vida de Bruno de Menezes, dedicando-se a ele e aos 7 filhos com todo amor. Incentivava e encorajava a publicar seus livros, com os poucos meios de que dispunha, ajudando-os nas pesquisas, e dando-lhe mais disciplina de vida. O primeiro exemplar dos “Onze Sonetos”, ofereceu-o a ela. O mesmo se diga do livro CRUCIFIXO, oferecido a “F. S., com férvido e acendrado culto.”
O Imortal da Academia Paraense de Letras e príncipe doa poetas, Alonso Rocha, afirmava que “a professora Francisquinha foi determinante para a realização literária, intelectual e familiar do poeta Menezes em grande parte, a realização de sua vida intelectual e, sobretudo, a suprema fortuna de ter legado à sociedade o exemplo de uma família moderadamente cristã e de inabalável conceito moral.
Francisca Menezes direcionava a educação familiar e orientava a atividade literária e intelectual do esposo. Mesmo com todo o preconceito que recaía sobre a mulher no início do século passado, ela diferenciava-se dos moldes femininos vigentes.
A vida religiosa, literária e intelectual de dona Francisca Menezes é evidenciada nas suas composições, além de declamar e escrever. Sua vocação para as letras foi reconhecida pelas rodas culturais. Podemos perceber no depoimento de Marilia Menezes, “ Mamãe gostava de escrever poesia e prosa. Na prosa eram famosas as suas palestras, como se usava na época, com uma voz alta e forte, em tom oratório. A convite, fez a palestra de inauguração do Centro Jurídico do Pará, com vibrante saudação a Rui Barbosa, e do Instituto Ophir Loyola. Formou as filhas mais velhas no amor à igreja de São João Batista, na Cidade Velha. Compunha peças teatrais para seus e outros alunos, a pedido da Diretora da escola e hinos religiosos, pois era muito apostólica, dedicando-se à igreja de São João em várias Associações.
A devoção de dona Francisca Menezes à sua família, fez renunciar a vida intelectualizada adquirida pelos estudos, tornando-se a matriarca dos Menezes.
Mesmo com toda a pressão social de sua época, dona Francisquinha utilizou seu conhecimento, seus estudos para que o escritor Bruno de Menezes ascendesse sua vida profissional e literária. É indiscutível sua intensa contribuição na formação do literato Bruno de Menezes.
Trago aqui uma intensa voz da professora Lenora Brito, sua filha mais nova, que afirmava que “Quando se diz: “Bruno foi autodidata” e realmente ele o foi, porém, teve ao lado dele uma figura maravilhosa que foi a minha mãe e que tinha uma intuição poética, ela própria era poetisa, mas com 9 filhos pra criar, 7, porque 2 morreram, ela teve que colocar meio de lado como realizadora, mas não como mentora, ela foi assim envolvente ao lado do papai na sua formação, dando-lhe bom gosto nas leituras, ela tinha sido aluna destacada do Paulo Maranhão, professor Paulo Maranhão, na escola normal e a mamãe aprendeu francês para ler no original os grandes poetas, Alfredo Mircela, Martinêz e tantos outros do começo do século XX. Aquele romantismo dos franceses, os sonetos, e isso eu tenho certeza, ela moldou o bom gosto do papai na leitura, na frase elegante”.
O papel da mulher na sociedade sempre foi alvo de preconceito, imaginar no início do século passado, uma mulher pobre e de origem nordestina, colocar em evidencia vozes silenciadas e marginalizadas, como até hoje acontece. Dona Francisquinha, fez opção pela família, exerceu seu aprendizado dentro do lar. Poeta, professora, Francisca Menezes moldou a família dentro de suas convicções. Um traço forte de sua personalidade era o exercício da religião.
Por isso, a vida devotada à Igreja Católica era reconhecida pelos filhos, sua participação nas missas e festividades dos santos católicos na igreja de São Joãozinho, era uma prática diária, com isso levando os filhos a terem a mesma conduta religiosa. Ainda na voz da Professora Lenora, o destaque a fé de Dona Francisquinha, “A mamãe era uma mulher extremamente religiosa, ela todo santo dia ia à missa com ou sem a companhia, mas todo dia ela frequentava a Igrejinha de São João, comungava e nos orientava a todos a terem uma vida religiosa, de modo que houve essa felicidade de haver um filho padre mais velho e a outra filha Marília Teresinha, religiosa das irmãs do Preciosíssimo.”
Dona Francisca Menezes influenciou a verve literária do escritor Menezes, contribuindo na construção do pensamento poético e da estruturação dos poemas, fato destacado por na voz de sua filha, Lenora Brito. “A Lua Sonâmbula ou o bailado lunar é um livro muito anterior ao Batuque, mas que de versos elegantes, versos bem-feitos, sempre o papai burilou o verso e a mamãe gostava disso, o incentivava muito a procurar a palavra exata. Nós temos vários livros da mamãe, que ela lia e anotava ao lado, riscava, destacava, uma… uma…uma regadora do jardim das palavras, ela buscava a palavra elegante, a frase elegante. Aqui em casa, quando ela ralhava com a gente, até colocação dos pronomes era perfeita e tudo, nem no meio da exaltação, da bronca, ela perdia aquela frase bem-feita e isso tenho certeza”.
Esse texto busca fazer uma reparação ao papel de Francisquinha Menezes na vida literária paraense na segunda metade do século XX. Se a historiografia da literatura evidencia os grandes escritores é imperioso buscar a visibilidade das grandes escritoras e pensadoras, como Francisca Menezes a “regadora dos Jardins das palavras”.
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