Publicado em: 30 de junho de 2025
Em A Grande Transformação(1944) Karl Polanyi, economista e historiador húngaro, demonstrou que, na prática, à revelia dos preceitos filosóficos Liberais, as economias de mercado, particularmente após as Grandes Guerras Mundiais, passaram a reorganizar todos os aspectos da vida humana. No sentido de submeter todas as frentes da vida em Sociedade à sua lógica e funcionamento. Seja a Política, antes estruturada a partir de nações e identidades sociais públicas. Seja a Cultura, antes determinada pelo território e sua história.
Em sua obra, Polanyi é profícuo em exemplos práticos que evidenciam um novo processo histórico no qual as pessoas e seus coletivos, passaram a adotar a lógica do Lucro particular, antes proposto para o contexto de mercado, como a principal referência para suas posições e decisões nas outras frentes sociais, até familiares. Colocando a lógica do Lucro particular acima da identidade nacional, acima do interesse público, acima da identidade e cultura de grupo ou comunidade, acima da moral social, da conduta ética, da convicção de valores, inclusive religiosos.
Uma lógica que impôs elementos comportamentais massificados em função de uma estratégia que estabeleceu parâmetros de consumo comuns em todo o mundo, acima das culturas e das diversidades e especificidades, já que assim, a produção pode ser em uma escala global reduzindo custos e exponenciando lucros. Uma estratégia que atropela as diferenças, fazendo dos pré conceitos um alimento social e até existencial com consequências desumanizantes.
Ao artificializar a noção de certo e errado em relação aos objetos das discriminações, se cria uma estrutura econômica concentradora. Genericamente, ao discriminar as mulheres os homens concentram, ao discriminar os pretos os brancos concentram, ao discriminar homoafetivos os hétero concentram, ao discriminar o nacional os estrangeiros concentram, ao discriminar nortistas e nordestinos sudestinos concentram…
Uma estrutura de rotinas e hábitos que ao desumanizar as relações cria um ambiente inseguro e doentio que rebaixa a qualidade de vida de absolutamente todos da Sociedade, já que ninguém passa fome, ignorância ou humilhação, sem uma reação que pode se manifestar como conflitos e condições sociais degradantes. Não por acaso, somos campeões mundiais em feminicídio, ansiedade, analfabetismo, crescimento de facções criminosas e custo das instituições políticas, incluindo a corrupção.
Até as guerras deixaram de ser travadas por conflitos entre as identidades das nações e seus interesses coletivos, para serem subordinadas aos grandes interesses corporativos globais. Da II Grande Guerra para cá, quase sempre em torno do Sistema Econômico do Petróleo. Desde o Vietnam nos anos 60, até Iraque, Afeganistão, Síria, Ucrânia, Gaza e Iran, além de grandes guerras como a do Congo, que decidiram não pautar nos jornais, mas já matou mais de 10 milhões de 90 para cá e tudo pelo controle do Cobalto, principal elemento das baterias dos carros elétricos.
Este fato explica por que cresce e acirra a guerra dentro das nações entre segmentos, partidos e classes sociais. E não falta quem retome a ideia da “guerra de todos contra todos” cunhada por Thomas Hobbes(1651) em sua obra Leviatã, atribuindo-a à natureza humana para daí justificar soluções autoritárias, anti-democráticas. Na verdade, escondem que esta condição é uma consequência da deliberada estratégia de concentração pelo poder econômico sobre o conjunto da Sociedade e as suas demais dimensões, aí sim, da natureza humana, como sua diversidade.
É entre os jovens que se percebe o impacto mais cruel dessa lógica desumanizante. Num mundo onde a cultura do consumo dita normas comportamentais, os jovens veem-se frequentemente desprovidos de propósito, alienados de suas raízes culturais e com um declínio na saúde mental, como depressão e ansiedade. Reflexo de uma Sociedade que perpetua desigualdades e negligencia o desenvolvimento humano em favor de metas econômicas. “Há tempos são os jovens que adoecem”, Renato Russo(1989).
Como ninguém escapa, mesmo os que determinam e operam esta estratégia de concentração de renda, riqueza e poder, também se vêem envolvidos com endemias psicopatológicas, incluindo seus familiares. Não percebem que o esvaziamento de sentido digno para a vida, é em si uma sociopatologia. Por exemplo, jamais saberão se quem se aproxima é pelo que é ou pelo que possui, condenados a desconfiar até de familiares. Insegurança, ansiedade, depressão.
Mas nossas elites decisoras não têm demonstrado perceber a conexão entre a saúde mental social e propósitos solidários, tal como constatado por antropólogos e historiadores como Yuval Harari que demonstrou que sem cooperação nós, homo sapiens, teríamos sido extintos.
Aprendi com um aluno do mestrado, que em dialeto Yanomami, o xingamento mais ofensivo é Xi Imi Imi. Aquele que tem sobrando e não partilha, o sovina, o avarento, o acumulador. A Sociedade Yanomami condena assim, como valor e cultura a concentração. Na nossa Sociedade, quem concentra é capa de revista, é invejado, se torna símbolo de sucesso e modelo de comportamento. E, cada um se sente diferente dos seus iguais, sentimento que se institucionaliza e substitui direitos por privilégios, a democracia pelo vale tudo, onde não o valor mas o preço, o dinheiro, é a unidade de troca universal, podendo transformar tudo e todos em mercadorias.
Assim, a Sociedade moderna estabeleceu uma lógica de exploração que aliena os indivíduos de suas comunidades e do meio ambiente, daí a Crise Climática da economia do Petróleo. Mercantilização generalizada com concentração da riqueza e poder, que tem efeitos devastadores, como o empobrecimento, a ignorância, a degradação ambiental, e a instabilidade econômica e política. O que explica países como o Brasil que é o 7º maior PIB(Produto Interno Bruto), do mundo, ao mesmo tempo em que possui a 82ª posição, quando o índice é o IDH(Índice de Desenvolvimento Humano). Como nossas elites decisoras convivem com esta realidade?
Eric Hobsbawm, historiador britânico, via as elites como grupos que detêm o controle econômico e político em uma sociedade. Em seu estudo sobre a formação das sociedades modernas, ele discutiu como as elites se consolidam por meio de processos históricos, como a Revolução Industrial e a expansão colonial, que permitiram a concentração de capital e poder em mãos de poucos. Através de instrumentos como sistemas educacionais, comunicação, religião e cultura, as elites moldam as percepções da Sociedade, legitimando sua autoridade e criando uma narrativa que naturaliza as desigualdades de poder.
Para Marilena Chauí, filósofa brasileira, a elite não é apenas caracterizada pela acumulação de riqueza, mas também pela perpetuação de privilégios e pela manutenção de desigualdades estruturais. Utiliza mecanismos ideológicos e simbólicos para legitimar sua posição, apresentando-se como portadora de excelência, mérito e liderança natural, narrativa que serve para mascarar as relações de dominação e exclusão que sustentam sua hegemonia a partir da adesão a projetos estrangeiros, como o Modelo de Desenvolvimento baseado em Commodities – exportação de produtos brutos e baratos, principalmente minérios, grãos e proteínas, em grande quantidade, que não geram internalização de riqueza local, não deixando quase nada para a economia interna, indústria, comércio e serviços, locais. Setores que tornaram as nações ricas, ricas.
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