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Gestos tímidos e olhar assustado, Graciane
Freitas da Silva, 21 anos, grávida, com um bebê de 11 meses no colo e outras
duas crianças para cuidar, está no centro de um furacão. Foi parar no You Tube,
nas redes sociais, na TV, nos jornais, na Alepa e na Delegacia Geral de Polícia
Civil do Pará, porque teve a coragem de denunciar o abuso de que foi vítima, na
longínqua e marajoara Chaves, onde mora na localidade Flor do Campo.
Graciane não sabe o que significa a expressão
“ser molestada”, mas conhece por sentir na carne o peso da violência
policial ao ser mantida em uma cela junto com seis homens, durante três dias,
tendo sido obrigada a amamentar seu bebê lá mesmo, e ainda assim só duas vezes ao
dia, por ordem do delegado de polícia de Chaves, Edgar Henrique da Cunha Costa.
Não é preciso muita coisa para saber que Graciane
teve uma infância muito pobre e promíscua, como a que a maioria das meninas do
Marajó estão expostas. Engravidou na adolescência. Com três filhinhos e outro
na barriga, seu companheiro foi acusado de, juntamente com dois indivíduos, incendiar
a casa de um oficial de justiça aposentado, no mês passado. Foi o bastante para
o delegado Edgar Costa prendê-la de modo arbitrário, sem mandado judicial,
acusando-a de conhecer o paradeiro de seu companheiro e ofendê-la moralmente
com palavras de baixo calão tais como “puta”, “vadia”,
“cachorra” e “safada”, em gritante violação aos princípios constitucionais
da legalidade, razoabilidade, proporcionalidade, individualização da pena e não
autoincriminação, além, é claro, da dignidade humana. Antes, o delegado,
acompanhado por PMs, fora à residência da avó do companheiro de Graciane, dona
Estácia, que tem 90 anos de idade, para coagi-la a entregar o neto, ameaçando
prendê-la e a toda a sua família. E também prendeu o tio de Graciane, Sr. Roberto,
sob a acusação de que seria o responsável por levar os mantimentos aos foragidos.
Graciane só foi liberada da cadeia mediante coação moral do delegado Edgar para
que achasse e entregasse os procurados pela polícia.
Graciane provavelmente não tem noção do
quanto seu gesto corajoso de denunciar é emblemático para tantas mulheres cujos
companheiros têm contas a acertar com a lei e a Justiça e são vítimas de abuso
de autoridade. Mas seu caso certamente servirá de espelho social.
Hoje à tarde, o delegado geral Rilmar Firmino,
a delegada geral adjunta Christiane Lobato e a corregedora Nilma Nascimento
Lima receberam Graciane, acompanhada pela Comissão Justiça e Paz da CNBB Norte
II e Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), e foi baixada a
Portaria nº 0470/2013-GAB/CORREGEPOL, determinando a abertura de Processo
Administrativo Disciplinar a fim de apurar os fatos, o que foi providenciado de
imediato. Acompanhei, ao lado da Irmã Henriqueta Cavalcante e do advogado Bruno
Fabrício Valente da Silva, pela Comissão Justiça e Paz, e das advogadas Suzany
Ellen Risuenho Brasil e Ellen Carolina de Sena Holanda, do Cedeca, o depoimento
de Graciane ao delegado Cyd Vinicius de Matos Cavalcante e ao escrivão Carlos Alberto
Freire Pinheiro, já para o PAD, no qual foram ratificadas as declarações
prestadas à Ouvidora da Segup, Eliana Fonseca Pereira. E sou testemunha da
atenção da delegada corregedora Nilma Lima e do delegado Cyd, que preside o
PAD, que tomaram medidas urgentes para o esclarecimento dos fatos e punição aos
responsáveis.

Fatos tristes e medonhos como o drama de
Graciane, desgraçadamente, são mais comuns do que se pensa, principalmente em
municípios onde não há juiz, promotor de justiça e defensor público, essenciais
ao acesso à justiça e cidadania. 
Precisamos todos exigir que esse sofrimento tenha um fim, em nome da
dignidade humana.
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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