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Hoje é o Dia Internacional pelo Fim da Violência contra as Mulheres, e nada há a celebrar. A Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, do DataSenado, aponta a tragédia que se abate todos os dias sobre a condição feminina: só este ano, 3,7 milhões de brasileiras já foram vítimas de algum tipo de violência doméstica ou familiar. A maioria ocorreu na presença de outras pessoas e em 40% dos casos nenhuma testemunha ofereceu ajuda. Em 71% das agressões havia crianças no local, filhos e filhas das vítimas.

A maioria das vítimas não busca ajuda formal. O principal motivo para não denunciar é a preocupação com os filhos (17%), seguido por descrença na punição (14%) e confiança de que seria a última agressão (13%). As primeiras redes de apoio continuam sendo amizades, parentes e igreja, enquanto a procura por delegacias da mulher, delegacias comuns ou serviços permanece reduzida. A grande maioria (62%) não pediu medidas protetivas; 17% pediram e a medida protetiva foi descumprida.

A violência deixa marcas que ultrapassam os episódios físicos e se manifestam no cotidiano, na forma como a mulher se relaciona consigo mesma e com o ambiente. Medo constante, vigilância extrema, dificuldade de tomar decisões. A Organização Mundial da Saúde estima que essas mulheres têm probabilidade até três vezes maior de desenvolver transtornos depressivos e ansiosos. O impacto também atinge o desempenho profissional, relações familiares e a saúde física, com alterações de sono, apetite e concentração.

Pesquisas internacionais apontam que o ciclo de violência começa por sinais emocionais muitas vezes invisíveis para a própria vítima. Isolamento progressivo, diminuição de vínculos sociais, desqualificação frequente, invasão de privacidade e controle sobre rotinas ou finanças. Controle, humilhação, manipulação.

De acordo com a ONU Mulheres, mais de 70% das brasileiras que sofrem agressões não procuram ajuda por medo de retaliação, dependência financeira, vergonha, falta de informação, descrença na rede de apoio, isolamento provocado pelo agressor. Quando a mulher internaliza a ideia de que não será acolhida ou de que a culpa é dela, o risco aumenta.

O atendimento psicológico exerce papel essencial na reconstrução emocional e no fortalecimento da autonomia da vítima. Não apenas para tratar consequências, mas oferecer ambiente seguro para organizar percepções, compreender riscos e planejar caminhos. O acolhimento profissional ajuda a mulher a perceber que não está sozinha e que existem alternativas de proteção. É um espaço para nomear o que aconteceu, reorganizar referências e recuperar a autonomia abalada pelo ciclo de violência.

Daí a necessidade de profissionais de escolas, unidades de saúde, serviços sociais e demais instituições serem qualificados para identificar padrões de vulnerabilidade antes que o quadro se agrave.

Saber onde pedir ajuda e qual é o próximo passo reduz o medo e aumenta a chance de escapar das agressões. Quanto mais pessoas conscientes do que é violência e de como agir, maior a proteção coletiva.

O combate à violência não deve ser restrito a datas como a de hoje. As campanhas informativas, debates em escolas, programas de formação para profissionais de saúde e assistência e políticas de prevenção dentro dos territórios são cruciais. A violência contra a mulher atravessa famílias, comunidades e gerações. O enfrentamento precisa ser constante, articulado e informado. Quando a sociedade compreende os sinais e acolhe sem julgamento, abre caminho para romper ciclos que se repetem há décadas.

Todas as formas de violência – física, psicológica, sexual, moral, patrimonial, política, digital, entre outras – precisam ser combatidas com eficácia e eficiência, com políticas integradas de prevenção, proteção às mulheres e responsabilização dos agressores. A impunidade perpetua a mazela. Segundo o painel Justiça em Números, o CNJ registrou em 2024 mais de um milhão de novos feitos relacionados à violência contra a mulher. E isso porque há subnotificação…

São imensas e variadas as formas de violência, que incluiimportunação sexual nos transportes públicos e nas ruas, por exemplo. O respeito às mulheres deve estar garantido também nos espaços de circulação cotidiana. Combate ao feminicídio, promoção da saúde, políticas de cuidado e igualdade de gênero e racial, participação feminina na política, em espaços de direção nos setores público e privado, nas igrejas, universidades, em todos os lugares. O avanço depende de luta contínua.

O trabalho de conscientização em relação ao papel das mulheres na sociedade deve considerar o ambiente digital e começar na infância, para que surja uma outra sociedade, democrática, com igualdade de gênero, seja do ponto de vista das relações sociais, da convivência, da escolha das profissões e da integridade física. São 110 milhões de mulheres e meninas no Brasil.

Se você enfrenta situação de violência, ligue180 para denunciar. Funciona 24 horas por dia, de segunda a domingo, até mesmo em feriados. A ligação é gratuitae confidencial (preserva o anonimato). Vá à Delegacia da Mulher ou delegacia comum quando não houver unidade especializada, e se tiver internet pode fazer o BO pela Deam Virtual da Polícia Civil. Também pode ir a uma UPA ou hospital, que de lá será encaminhada. Outros locais onde pedir ajuda: Centro de Referência de Assistência Social (CRAS/CREAS), serviços municipais de proteção, grupos comunitários e ONGs.

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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