Publicado em: 12 de julho de 2010
“Em meu discurso de posse, como juiz do trabalho substituto da 8ª Região Trabalhista, no início da década de 70 do século XX, eu transcrevia esta célebre frase do jurista Eduardo Couture, citado por Mozart Victor Russomano:
“O Juiz é uma partícula de substância humana que vive e se move dentro do processo. E se essa partícula de substância humana tem dignidade e hierarquia espiritual, o direito terá dignidade e hierarquia espiritual. Mas, se o juiz, como homem, cede ante suas debilidades, o direito cederá em sua última e definitiva revelação. Da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá em um país e num momento histórico determinados, o que valham os juízes como homens. O dia em que os juízes tiverem medo, nenhum cidadão poderá dormir tranqüilo”.
No meu discurso de posse, intitulado de “Retorno condigno à Magistratura da 8ª Região”, em 1984, cerca de 10 anos depois, eu concluía com estas palavras:
“Seja-nos amena e segura a caminhada e superior o espírito que a ilumina”.
“Não olhes para trás… Segura na mão de Deus, e vai…”
“A Justiça não se enfraquece quando o Poder lhe desatende. O Poder é que se suicida, quando não se curva à Justiça” (Rui Barbosa).
Esses dois discursos, em momentos tão importantes de minha vida, estão inseridos naquele meu livro “Reforma da Execução Trabalhista e outros estudos”, Ed. LTr, SP, 1993, p. 242 e 251.
Na palestra de encerramento, intitulada de “A Efetividade da Justiça Social como Garantia do Estado Democrático de Direito”, que proferi para uma platéia constituída sobretudo de jovens magistrados trabalhistas, no início do estágio probatório, no Ciclo de Palestras “Acesso à Justiça – A busca da efetividade do Direito”, promovido pela Escola Judicial da Justiça do Trabalho da 8ª Região, no período de 1º a 4 de setembro de 2009, na Sala de Aula da EMATRA-8 (Belém-PA), publicada na Revista nº 83 do TRT-8ª Região, volume nº 42 (julho-dezembro/2009), p. 29/45, assim me pronunciei, no início e no final de minha manifestação:
“Orlando Costa [ex-Presidente do TRT-8ª Região e do TST], mais do que ninguém, ensinou-nos a amar a Justiça do Trabalho. Ensinou-nos a ter fé no direito. Ensinou-nos os padrões de dignidade e nos transmitiu as tradições do Oitavo Regional, legados de Raymundo de Souza Moura e Aloysio da Costa Chaves. Enfim, deu-nos o exemplo apurado da conduta ideal de como deve se comportar um autêntico magistrado”.
(…)
Qual é, enfim, o perfil do magistrado que queremos?
O papel do magistrado trabalhista, na missão de imprimir efetividade da justiça social como verdadeira garantia do estado democrático de direito, é muito mais do que isso. Requer a adoção de uma postura crítica e sensível aos anseios da sociedade, e não um comportamento neutro e afastado da realidade social, como se a jurisdição se reduzisse a quantitativos estatísticos; como se o juiz fosse uma simples máquina de julgar, sem alma.
Em certa ocasião, eu dizia que uma sociedade livre e democrática deve ter profundo apreço pelo Poder Judiciário, muito pouco compreendido pelos demais Poderes da República, pela mídia e por alguns segmentos sociais, talvez porque os magistrados, envolvidos com o enorme volume de processos e levados pelo senso da imparcialidade – que provoca um certo distanciamento da vida comunitária – precisem sair dos bastidores e vir para a cena, sem receios de demonstrar as mazelas que impedem o melhor funcionamento da instituição, que todos queremos eficiente.
É óbvio que a mudança passa pela reforma da legislação processual, da estrutura organizacional, do recrutamento e da qualificação dos juízes e servidores, além de outros aspectos, em síntese: uma verdadeira reforma do Poder Judiciário, sobretudo para imprimir às demandas soluções mais eficazes e rápidas, não apenas técnicas, porém (e sobretudo) justas.
O Juiz Roberto Santos já advertia:
“O Judiciário, como tantas vezes foi repetido de modo romântico, é realmente um poder desarmado: toda a sua força tem natureza essencialmente moral. É uma instituição, sim, mas é antes de tudo um espírito – o espírito trágico da humanidade em busca de justiça, um espírito de liberdade e de razão, de investigação disciplinada pela lei mas livre do convencimento pessoal.
O espírito do Judiciário é, inclusive, indispensável para manter a chama de sua espiritualidade como algo real e de efeitos concretos. Quando houvesse um órgão doente no Judiciário, um ou mais magistrados que não se alimentassem daquela chama, mas de alheios e baixos interesses, ainda sem a apuração e o julgamento de sua culpabilidade deverão ser livres – e a força do espírito haverá de prevalecer. O erro e a maldade não têm essência própria; são parasitários da verdade e do bem, já ensinava MARITAIN, o grande humanista que a França e o mundo perderam recentemente.
Violar pois este espírito é ferir o Judiciário em seu próprio coração. Quem quiser decretar-lhe a morte, não pense que baste mais: mesmo que a instituição permaneça de pé, com seus órgãos e audiências em funcionamento, o Judiciário será um morto-vivo, uma horrível e sinistra contrafação do ideal que a humanidade sonhou desde tempos imemoriais.
O espírito é capaz de atravessar séculos. Mas o mal humano, o mal histórico, está sempre a conspirar contra as energias e pode sufocá-las por longos períodos. Todos os homens têm o dever de lutar, na comunidade e principalmente dentro de si mesmos, contra as potências do mal em ação. Se não o fazem, se por exemplo mobilizam força e apoio contra os raros núcleos de poderio espiritual, correm o gravíssimo risco histórico de colaborar para a deterioração e o apodrecimento da civilização.
Tenhamos vigilante nossa inteligência, mas limpo o coração e calma a nossa esperança quando um interesse nosso for entregue a órgãos judiciais de tradicional probidade. Omnia munda mundis: para os limpos, tudo é limpo. E lembremos, principalmente se advogados, a advertência do ardente advogado que foi CALAMANDREI, em seu belo Elogio dos Juízes:
‘Para encontrar a pureza dos Tribunais, é preciso penetrar em seu recinto com o espírito puro’”[1].
Tal como lembrou Ovídio Baptista da Silva[2]: “Sartre dizia que para agir não precisa haver esperança, porque a alternativa para não agir é fugir. O homem é um ser concebido para a ação”.
Vou além. É concebido para a composição. Não só jurídica, mas também musical, quando é momento de concluir e deixar que fale a voz do coração.
As lições que aprendi com os mestres, procuro transmitir aos mais jovens.”
(Vicente Malheiros da Fonseca, ex-presidente e decano do TRT do Pará/Amapá, recém-agraciado pelo TRT do Amazonas com a Ordem do Mérito Judiciário, no grau Comendador.)
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