O governador Helder Barbalho retirou da Assembleia Legislativa, para onde encaminhara em caráter de urgência, o projeto n° 701/2024, de ampla reforma administrativa, que prevê a extinção de secretarias essenciais. Concebido no círculo palaciano, não foi apresentado previamente sequer aos dirigentes dos órgãos e secretarias envolvidos e nem aos deputados estaduais – que serão cobrados pelos votos -, muito menos à população. O céu caiu sobre a cultura, a comunicação pública, o esporte, a agricultura familiar, a educação, os direitos humanos e de cidadania.
A proposição extingue pelo menos uma dúzia de órgãos do Estado, entre os quais as secretarias da Mulher, de Igualdade Racial e Direitos Humanos (que restariam em uma pasta só, com um conceito de família que remete ao propagado pela senadora Damares Alves, juntando no mesmo balaio mulheres, juventude, pessoas LGBTQIA+, idosos e grupos vulneráveis), a Seel e a de Agricultura Familiar, além da Fundação Paraense de Radiodifusão (Funtelpa), que passaria a “puxadinho” da Secom; da Fundação Cultural do Pará (FCP), que seria engolida pela Secult, e da Companhia de Portos e Hidrovias (CPH), deixando os ribeirinhos parauaras ao “Deus dará”.
E preciso que o bom senso prevaleça. A função da Funtelpa é comunicação pública, além de educativa, com independência editorial, diversidade na programação e participação da sociedade em conselhos sociais, entendida como direito fundamental do ser humano. Já a comunicação governamental, na esfera da Secom, inclui marketing político, branding de governo, publicidade, assessoria de imprensa e redes sociais, entre outras atribuições.
São necessários investimentos em formação de equipe, estrutura e planejamento estratégico para a área cultural, a comunicação pública e os direitos humanos. A extinção da Fundação Curro Velho e do IAP – Instituto de Artes do Pará, reduzidos no governo Jatene a duas diretorias da FCP que funcionam à míngua, deveria servir para evitar novos erros nessa seara. A Fundação Cultural do Pará tem enorme abrangência e não cabe em uma secretaria adjunta da Secult. Já pensaram se o governador Tarcísio de Freitas inventar de acabar com a TV Cultura de São Paulo, ou o presidente Lula com a TV Brasil? Elas não existem por acaso.
Da mesma forma é acabar com a Secretaria das Mulheres em plena escalada de feminicídios, estupros, espancamentos e todo tipo de violência física, verbal, moral, psicológica e patrimonial que abate as mulheres. A própria ministra Cida Gonçalves afirmou: “as mulheres estão morrendo porque o estado brasileiro está falhando em protegê-las e nós vamos corrigir isso”, e não à toa a meta de feminicídio zero – prioridade do presidente Lula – envolve a cadeia da violência contra as mulheres, que começa no assédio até chegar no último estágio, que é o corpo, a identidade e a vida da mulher.
Por outro lado, extinguir a Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos é trafegar na contramão da história. A redução da violência letal sistêmica e das vulnerabilidades sociais que afetam a juventude negra e o enfrentamento ao racismo estrutural são compromissos do estado brasileiro. Ninguém ignora que a cor da pele é o principal fator pelo qual pessoas negras enfrentam dificuldades, exclusões e violências. As consequências do racismo são visíveis nos indicadores de desigualdade e na falta de oportunidades, sobretudo entre os jovens, as principais vítimas de mortes violentas, encarceramento em massa e situação de desvantagem em relação ao acesso aos direitos sociais, econômicos e educacionais.
Um grande clamor sacode o Pará, e espera-se que o governador Helder Barbalho reflita e a reforma administrativa exclua essas distorções.
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