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Foto: Ozéas Santos

Ao lado dos grandes complexos penitenciários do País, são construídas torres de telefonia móvel celular. A informação, bombástica, foi prestada por ninguém menos que o superintendente do Sistema Penal do Pará, coronel André Cunha, ontem à tarde, em longa reunião que se estendeu por cerca de quatro horas, na Assembleia Legislativa. O celular, ninguém ignora, é o principal instrumento das organizações criminosas que proliferam nos presídios. Hoje, a maior arma na mão dos bandidos não é o revolver e sim o celular. É através do celular que eles controlam a prática de crimes nas ruas, ataques a bens públicos e privados, bem como organizam e dominam o transporte clandestino, o tráfico de entorpecentes e outras atividades ilícitas. 


Há pelo menos uma década o Ministério da Justiça e autoridades policiais e judiciárias discutem alternativas a fim de não apenas bloquear a comunicação, mas diversas medidas que têm que ser implementadas para impedir – ou pelo menos reduzir – o ingresso de aparelhos celulares nos presídios. Enquanto isso, os criminosos desenvolveram diversas técnicas. Antes o celular era envolvido em papel carbono, hoje em látex de preservativos e outros componentes, know-how de traficantes estrangeiros, principalmente nigerianos, que assim burlavam a fiscalização nos aeroportos internacionais. Eles introduzem o celular no corpo e passam pelos detectores de metais em agências bancárias a fim de se certificarem de que não serão flagrados. A partir disso, com a maior tranquilidade, os celulares entram no sistema penitenciário através de funcionários, fornecedores, advogados e até de grupos religiosos — fatos concretos verificados no dia-a-dia em todo o País. Enfim, eles utilizam tantos meios que tornam quase impossível o controle. 

As operadoras de telefonia móvel juram que querem contribuir na luta contra a violência. Elas detêm a tecnologia e precisam mesmo ficar sensíveis a essa necessidade. Assim como difundem o sinal, devem tomar os devidos cuidados com os presídios, onde a transmissão traz uma infinidade de malefícios à sociedade, dos quais todos sabemos a extensão. É grande a responsabilidade das operadoras, e concorrente com a administração pública dos Estados e do governo federal. Incrível é a ANATEL não ser chamada para fazer as medições em derredor das instalações prisionais, a fim de ter conhecimento de até onde chega o sinal e o que deve ser feito para que ele se limite às proximidades. E não se tem notícia de as operadoras terem feito alguma doação para o sistema penitenciário de detetores de metais e rastreadores, por exemplo. 

A telefonia móvel é um dos segmentos da sociedade que mais fatura no Brasil, tem amplas condições de custear o bloqueio de celulares dentro dos presídios, mesmo porque detém a tecnologia para tanto e se trata de questão de segurança nacional. Se existe uma antena e o presídio está ali, por que esse lado da antena não deixa de funcionar? Tem que haver um jeito de fazer isso, mas parece interessar a ninguém, e todo mundo sabe o porquê, embora não diga.
Não mais se pode aceitar que se negue à população uma resposta efetiva. Há vários anos, num debate na Câmara dos Deputados, em Brasília, a deputada Marina Maggessi(PPS-RJ) – que foi policial no Rio de Janeiro durante 18 anos e trabalhou na Embratel 9 anos – pôs “os pingos nos is“: “após a instalação de bloqueio num presídio, a operadora joga uma antena mais forte lá para dentro. Ou seja, a operadora quer os 30 mil clientes que estão lá dentro. E não está nem aí para o público“.
E complementou : “Eu já abri mão do bloqueador, primeiro, porque existe outro fator, que ninguém tem como segurar: a corrupção. Descobrimos que Bangu I era todo bloqueado, mas das 6 às 20 horas o agente desligava o bloqueador e todo mundo falava ao telefone.
Segundo ponto, cada bloqueador que se colocava, na verdade, não ficava obsoleto. A operadora colocava uma antena mais potente, virada para o presídio. O que quero dizer quando me refiro à antena virada? Durante todo esse tempo em que trabalhei como policial, contamos com um sistema de trabalho chamado Audit, pelo qual sabemos onde determinada pessoa está naquele momento, desde que o telefone esteja em stand-by. É possível detectar-se exatamente qual é a antena em que você está e o respectivo quadrante. As antenas de celular são como colmeias.
Fizemos isso com o Elias Maluco
(que a equipe dela prendeu, assim como o traficante Uê). Ele estava em uma favela de 200 mil habitantes e, em trabalho conjunto com a Nextel, depois de muita briga, conseguimos localizá-lo.
O presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia disse que eles têm frequência, mas eles não têm. Eles até liberam a frequência. A nossa luta no Rio de Janeiro para ouvir Nextel foi um absurdo. Por dois anos o programa Fantástico denunciou que uma empresa entrou no Brasil com uma tecnologia de comunicação aonde não se quebrava o protocolo. Era uma questão de segurança nacional, e só conseguimos ouvir Nextel porque o Governo do Rio de Janeiro pagou 200 mil à Nextel e à Motorola para colocar um aparelho que monitoramos — são 6 números, 6 rádios Nextel. Isso, sim, é uma senhora arma: o rádio Nextel.
A Nextel possuía grande parcela de ações da Rede Globo, todo mundo sabia disso, então a briga só foi na boca do mundo porque o repórter Tim Lopes morreu; era um funcionário da Globo
“.

Durante a reunião na Alepa, o coronel André Cunha ganhou reconhecimento público, curiosamente das bancadas de oposição. O deputado Carlos Bordalo(PT), ao fazer sua intervenção, não poupou elogios ao cumprimentá-lo: disse em alto e bom som que “é o melhor dirigente do Sistema Penal do Pará dos últimos tempos”, e reputou seu trabalho como “excelente”, destacando, ainda, as funções que o militar já exerceu em âmbito nacional. Bordalo – que foi o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito das Milícias – também fez gravíssimas revelações: Jeová, morto por estoque numa casa penal durante as rebeliões que aconteceram na região metropolitana de Belém na semana passada, era o comandante da “equipe Rex”, que domina o tráfico no bairro da Terra Firme, em Belém, e sucessor de “Adriano Narigudo”, assassinado pela milícia liderada pelo “Cabo Pet”, também morto pela facção, acontecimentos que desaguaram no banho de sangue que houve na noite de 4 de novembro de 2014, objeto da CPI, cujo relatório acentua que os fatos ocorridos no evento denominado “Chacina de Novembro” devem ser compreendidos dentro de um contexto mais amplo, antecedido por um histórico de disputas por territórios do tráfico de drogas, entre os anos de 2006 e 2011, pelos grupos de traficantes rivais denominados “Equipe Rex” e “Equipe do Jack” respectivamente. A morte de “Jeová” teria vínculo direto com as sucessivas rebeliões, consideradas pelo próprio superintendente da Susipe o episódio mais grave da história do Sistema Penal do Pará?

Bordalo, que preside a Comissão de Direitos Humanos da Alepa, relatou, ainda, que uma testemunha crucial no caso do prefeito afastado de Igarapé-Miri, Ailson Santa Maria do Amaral, o Pé de Boto, foi metralhada com dez tiros, e nenhum juiz quer aceitar a incumbência de presidir o julgamento de Pé de Boto, com medo de ser morto. 

O coronel André Cunha informou que as rebeliões foram contornadas com o auxílio do titular da 1ª Vara de Execução Penal da RMB, juiz Cláudio Rendeiro, que promove mutirões a cada semestre a fim de agilizar a tramitação processual (uma das principais reivindicações, junto com melhores condições de saúde) e conversa com os presos, e que estes reclamam que a 2ª Vara de Execução Penal não faz mutirões. Revelou que as ordens para incendiar os ônibus em vias públicas partiram de dentro dos presídios e que todos os envolvidos já foram identificados e responsabilizados. Dentre os que atuaram nas ruas, 13 estão presos, entre adultos e adolescentes. Uma família inteira – pais e filhos – está envolvida. Por medida de segurança preventiva, as casas penais continuam ocupadas pela PM. 

Durante a reunião, presidida e mediada pelo deputado Márcio Miranda(DEM), presidente da Alepa, que também foi quem tomou a iniciativa, junto com o líder do Governo, deputado Eliel Faustino(SDD), de chamar os representantes do governo para esclarecer a questão, o deputado Soldado Tércio(PROS) criticou a negativa de que não há crime organizado no Pará, e disse que a OAB-PA e o Tribunal de Justiça do Estado deveriam estar presentes na reunião, além da Polícia Civil. O deputado Lélio Costa(PCdoB) destacou a juventude dos presos que superlotam as casas penais, defendendo que a orientação política deve ser no sentido da prevenção e não ocupação das vagas. Demandou a atuação do Judiciário para acelerar os julgamentos dos presos e questionou quantos são os servidores efetivos e comissionados da Susipe. O deputado Bordalo propôs que os poderes Executivo e Judiciário conversem e seja enviado à Assembleia Legislativa um projeto de lei destinado a estabelecer e normatizar as audiências de custódia. Também quis saber sobre a utilização de tornozeleiras, se será construído o presídio de Salvaterra e como estão os alojamentos dos policiais que prestam a segurança externa no presídio de Americano.

Já o deputado Eraldo Pimenta(PMDB) contou que R$100 milhões foram negociados com a Norte Energia, que constrói a usina hidrelétrica de Belo Monte, através do que um helicóptero moderno foi adquirido por R$30 milhões a fim de proteger onze municípios da região da Transamazônica, e quis saber dos R$70 milhões restantes, como foram aplicados e como são administrados. O líder peemedebista Iran Lima criticou a Mensagem do governador Simão Jatene(PSDB), encaminhada à Alepa no início do ano, sobre a entrada de mais 1.200 homens na PM. Cobrou não só a PM como a polícia civil quanto ao planejamento estratégico e parceria das duas polícias para fazer frente à situação das ruas, apontando a necessidade de investir em educação. 

O deputado coronel Neil(PSD), cujo histórico no combate ao crime foi enaltecido por seus pares, se disse contra a ociosidade do preso e pregou medidas de ressocialização e a utilização do bloqueador de celular. 

O deputado Francisco Melo, o Chicão(PMDB), elogiou a franqueza da fala do coronel André Cunha, destacando o compromisso com a verdade à sociedade, e disse que a repressão tem que ser sincronizada com ações na área de educação, cultura e lazer. Por sua vez, o deputado Ozório Juvenil(PMDB), parabenizando o coronel André Cunha pela “exposição didática e esclarecedora”, complementou a pergunta de Eraldo Pimenta, se os R$100 milhões foram integralizados, como foram gastos, e se algo foi para os Bombeiros, que teriam lhe pedido um armário, durante visita que fez às instalações da guarnição em Altamira. Juvenil aproveitou para pleitear a autonomia do Detran local, reclamando que às vezes demora um ano para chegar uma CNH em Altamira pela simples falta de impressora que imprima as carteiras, vez que lá existe posto do Detran e são feitos os exames. Também criticou a ausência dos demais membros do Sistema de Segurança na reunião, embora reconhecendo e agradecendo o esforço para estarem na Alepa, e questionou se há algum estudo no sentido da terceirização dos presídios, e quanto do orçamento da PM é gasto na inteligência.  

O líder do Governo, deputado Eliel Faustino(SDD), enfatizou o trabalho dos coronéis André Cunha e Roberto Campos, ressaltando a responsabilidade nacional, o dinheiro que poderia ser aplicado e não vem. Para Eliel, que recomendou o aprofundamento dos debates com outros órgãos envolvidos no tema, o crime faz escola e repete o que acontece nos outros Estados a fim de causar alarmismo na população. 

Em sua exposição, o coronel André Cunha informou que o Fundo Nacional de Segurança Pública é de natureza voluntária, significando que a União faz o repasse através de convênios e congêneres. Toda vez que o governo federal precisa equilibrar as contas públicas, retém todos os fundos de transferência voluntária a fim de gerar ativo financeiro, o que redunda nos famosos contingenciamentos, explicou o titular da Susipe, para quem, enquanto a mudança legislativa não for feita, não haverá solução. “Tem que ser como saúde e educação, ter percentual de receita vinculada. O Fundo Penitenciário Nacional tem em caixa mais de 1 bilhão e 400 milhões de reais para investimentos. Os recursos do Fundeb e o FNS podem utilizados tanto para investimento quanto custeio. Já as receitas do Fundo só podem ser usadas para investimento. A proposta de discussão legislativa para ser levada ao Congresso é que não enxerguemos bandeiras e sim ações para abrir a possibilidade de utilização dessas receitas. Não é só construir, manter é muito mais caro. A Saúde é a única cuja manutenção é mais cara do que a Segurança. A União tem obrigação de construir presídios federais, mas há um contingente de uns 25 mil presos da Justiça Federal que são custodiados pelos Estados e não são custeados pela União. Os Estados arcam com os ônus sem nada receber”, relatou, confirmando que, no Pará, 45% dos presos são provisórios. 


Também foi anunciado que ontem mesmo seguiu novo projeto de lei de reestruturação da Susipe e das carreiras de servidores. A lei atual coloca como requisito para acesso apenas o ensino médio, a nova exige avaliação psicológica, por exemplo, define requisitos. “O cargo de agente penitenciário será todo redesenhado. Será concursado, terá porte de arma, inclusive com possibilidade de realizar ações táticas de menor magnitude, traz a previsão do grupo de operação penitenciária. As primeiras mil vagas do concurso cuja elaboração está em andamento farão a segurança interna e transporte de presos. O projeto chega em poucos dias à Alepa, em regime de urgência”, adiantou o titular da Susipe. 

Quanto aos recursos do convênio de Belo Monte, que a Norte Energia divulga ter integralizado R$100 no Fundo Penitenciário, o Estado nada recebeu. O dinheiro foi transferido para conta remunerada, não entra no Tesouro. O Estado indica a despesa que quer fazer, o consórcio faz a contratação do serviço, paga e presta contas ao Estado. Nessa linha estão sendo construídas a UIPP e outros investimentos da área da UHE-Belo Monte. No âmbito do convênio está previsto novo quartel dos Bombeiros, em terreno cedido pela SPU (Superintendência do Patrimônio da União), além de nova sede do CPL, CPRC e Fórum criminal na área do DNIT em Altamira, esclareceu André Cunha, contando que a empresa que venceu a licitação em Santarém estava inadimplente e não conseguiu se regularizar no prazo legal, por isso terá que ser licitado tudo de novo. 


Os parlamentares fizeram questionamentos
sobre a educação, a saúde e o trabalho no cárcere, além de melhorias nos
presídios. 
Na educação, segundo a Susipe, o Pará está acima
da média nacional de presos estudando, com 11,9%, e a meta é expandir esse
percentual para 25% até o fim do ano. “No trabalho também, c
om 4.500 vagas pactuadas no Pronatec, demos um salto de oito convênios de trabalho, com 800 detentos empregados, para 22 convênios e quase
dois mil presos trabalhando, 
em Santarém, Belém, Barcarena e Santa Izabel, em empresas como a Tramontina, por exemplo. Na saúde, já temos dez presídios cadastrados na
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade
no Sistema Prisional (Pnaisp). Até o fim deste semestre, eles vão receber verba
do governo federal para melhorias. O Pará foi o primeiro a aderir à política
”,
disse André Cunha, informando ainda que h
á 221 comissionados na Susipe e a maioria é de concursados, e que a Av. Duque de Caxias, em Belém, tem sua manutenção inteiramente executada só por internos, que também fazem a digitalização do acervo histórico do TJE-PA. A  meta até o final deste ano é ter 25% da população carcerária envolvida em atividade educacional e 25% trabalhando. Afinal, a verdadeira reinserção social só acontece fora do cárcere


Os deputados também perguntaram sobre a
parceria entre a Susipe e o Judiciário e falaram da importância de investir em
alternativas penais, como as audiências de custódia, criadas pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), para fortalecer a análise do preso nas primeiras 24
horas de detenção e evitar que ele seja detido desnecessariamente. 

O comandante geral da Polícia Militar, coronel Roberto Campos, que também participou do encontro, falou sobre as rebeliões e a necessidade de intervir no Complexo Penitenciário de Santa Isabel e Marituba. “Depois que ouvimos as demandas dos internos e familiares, esperávamos que tudo fosse resolvido com conversa, mas como não foi e os detentos começaram a depredar as unidades prisionais e tentar uma fuga em massa, precisamos intervir com ação policial, e assim foi feito, para garantir a vida de outros detentos que não estavam envolvidos”, explicou.

Confiram mais dados apresentados pelo titular da Susipe aqui
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Abrajet, do IHGP e do IHGTap, editora do portal Uruá-Tapera.

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