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Apesar de ser típico da Amazônia e elemento fundamental da cultura alimentar parauara há séculos, o açaí até hoje não verticalizou sua cadeia produtiva no Pará, onde é mais abundante, principalmente no arquipélago do Marajó. Ao contrário: atravessadores pagam – mal e sem cumprir a legislação trabalhista – os marajoaras (principalmente crianças, adolescentes e mulheres, porque são mais leves) que arriscam suas vidas subindo nas árvores usando a peconha (espécie de laço feito com cipós), pulando de uma árvore para outra com terçado na mão, sem qualquer proteção. O risco de morte é evidente, não há melhora do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano e a economia regional não prospera, além do que roubam do arquipélago o título de maior produtor do açaí.  

Estudo da Fundacentro e do Instituto Peabiru no médio rio Canaticu, no município de Curralinho, uma das principais áreas de coleta, em que vivem 1.029 famílias e onde cerca de três mil pessoas vivem disso, constatou que a atividade é uma das mais precárias e perigosas do Brasil. Para se ter uma ideia, só em um dia de pico de safra há algo próximo de um milhão de subidas em açaizeiros. O que era tradição extrativista e agricultura familiar tomou características de commoditie, abrangendo mais de 120 mil famílias, envolvendo de dois a quatro trabalhadores por família, e nenhum órgão público, estadual ou federal, se preocupa com o registro destas informações, nem há empenho em coibir o desrespeito à segurança e saúde do peconheiro. A própria sociedade tem uma visão romântica sobre a coleta na floresta e o subir no açaizeiro, que não corresponde à realidade de quem sobe na palmeira apenas com um facão sem bainha e um calção, quase sempre descalço. É total a invisibilidade dessa tragédia que ceifa jovens vidas. Indústrias, atacadistas e varejistas não se responsabilizam pelas funestas consequências. A longo prazo, o esforço físico de subir na árvore afeta os pés e as pernas, e como a informalidade nas relações de trabalho é total, essas pessoas ficam doentes, inválidas, sem conseguir prover o próprio sustento e de suas famílias e em completo desamparo, sem aposentadoria ou benefícios legais. Outra gravíssima consequência é a alta evasão escolar no período da safra do açaí, o que corrobora para que a região tenha os piores índices educacionais do Brasil, e o menor IDH, além do aumento do consumo de álcool, drogas e prostituição.  

A Fundacentro  – Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – é vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego e a Ong Instituto Peabiru existe há duas décadas, presta assistência técnica e extensão rural, segurança fundiária de quilombolas no Marajó, educação ambiental, defende direitos das crianças e adolescentes, cadeias de valor do açaí, de oleaginosas, da pesca artesanal, do mel de abelhas nativas, do ecoturismo e da palma (dendê), investimento social corporativo e gastronomia inclusive, e coordena o ProGoeldi, parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi para a revitalização do Parque Zoobotânico em Belém). Entre as soluções imediatas propostas pelas duas instituições figuram medidas simples, como o desenvolvimento e aplicação de tecnologias para a coleta e manejo, a fim de reduzir significativamente os riscos. Acontece que os players mais fortes da cadeia de valor simplesmente não se interessam pela condição do peconheiro. É preciso normatizar e regulamentar a atividade, discutindo essas questões com a comunidade, e alertar para a urgência de enfrentamento da temática. 

Na Mata Atlântica, onde o açaizeiro se chama Jussara, a geração de renda local para extrativistas, pequenos produtores e cooperativas se deu por meio da cocriação, metodologia que reúne técnicos das empresas, usuários, pesquisadores, estudantes e profissionais de saúde, que criaram uma fórmula conectada com as necessidades das pessoas. Os caroços de açaí eram descartados após o despolpe. Agora, a sobra do processo de produção da polpa pelos agricultores agroecológicos é usado na confecção de bolsas térmicas. Descobriram que os caroços retêm o calor no produto utilizado para termoterapia, auxiliando no tratamento de dores e lesões musculares e articulares, processos inflamatórios, no alívio de estresse muscular e cólicas. Dessa forma, o insumo, que representa cerca de 70% do fruto e era jogado no lixo, hoje é mais uma fonte de renda e incentiva o cuidado com a palmeira. Um exemplo a ser seguido no Pará, com o apoio de suas universidades públicas. 

Fotos de Fernando Sette. 

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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1 Comentário

  1. Alô Emater!!!

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