

Fotos: Anderson Silva

Foto: Elza Lima

Foto: Anderson Silva
Confesso que, quando o cineasta Fernando Meirelles, diretor cênico do Festival de Ópera do Theatro da Paz este ano, admitiu em entrevista coletiva que conhecia pouco o tema e estava aprendendo com a equipe, pensei que era uma temeridade que ele substituísse Mauro Wrona, um especialista em óperas, que atuou como supervisor. Ontem à noite, quando finalmente assisti à montagem que ele fez de “Os pescadores de pérolas”, entendi que suas palavras eram, na verdade, inusitada demonstração de humildade de um profissional reconhecido internacionalmente e constatei o acerto de sua escolha. Pura ousadia do secretário de Estado de Cultura, Paulo Chaves, e do diretor do Festival, Gilberto Chaves, que rendeu um espetáculo simplesmente belo, em nada a dever às montagens nos palcos da Europa e dos Estados Unidos. De fato, por nunca antes ter dirigido uma ópera, Fernando Meirelles se lançou ao desafio sem amarras. E contou a história com maestria, criando momentos de encantamento que arrebataram o público no teatro completamente lotado.
Um amor proibido, uma amizade traída e desejos de vingança. A ópera, em três atos, se passa no Ceilão (atual Sri Lanka) durante a Antiguidade. Embora composta por Georges Bizet quando ele tinha apenas 25 anos de idade, “Os Pescadores de Pérolas” é uma obra extremamente delicada, com poucos personagens e marcada por melodias que ganharam vida própria.
A ária do “Je crois entendre encore” é um show à parte. Fernando Portari (Nadir) – um dos mais renomados cantores líricos do País -, conduziu o público ao êxtase, num desempenho irretocável que, aliado às imagens cinematográficas, perpassava delicadeza e sonho.
A orquestração, muito elegante, cheia de referências à musicalidade oriental, numa atuação impecável da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz (OSTP), regida pelo maestro Miguel Campos Neto. Momentos de grande emoção e de verdadeiras explosões musicais foram experimentados pela plateia. Vale destacar que o Coro Lírico do Theatro da Paz, sob a regência do maestro Vanildo Monteiro, a cada ano se supera em qualidade. Atuou de forma irrepreensível, inclusive dançando e se espalhando entre a plateia, um dos pontos altos do espetáculo.
Em águas ora borbulhantes, ora plácidas e ora revoltas, em campo à luz de um céu estrelado com ventania, as imagens se sucediam traduzindo todo o emaranhado de sentimentos dos personagens em cena. A leveza d’alma, a paixão, o desassossego, a aflição e o medo pareciam palpáveis. Detalhes como a névoa do incenso em cena da soprano Camila Titinger criavam suavidade e clima onírico.
O cenário, com objetos simples feitos em miriti, redes de pescar, matapis e objetos de palha, fez um paralelo com a realidade ribeirinha amazônida. Ilha do oceano Índico, ao sul da Índia e a nordeste das Maldivas, o Sri Lanka já foi colônia árabe, portuguesa, holandesa e inglesa. Passou do hinduísmo ao islamismo e seguidamente ao budismo, religião da grande maioria ainda hoje. O povo de lá – tal como no Pará – é formado por gente simples e alegre. Pele morena bronzeada de sol, cabelos negros como o ébano e sorriso fácil. Um lugar exótico, cercado de paisagens incríveis e praias paradisíacas, com uma selva tropical. Os panos indianos remetiam ao colorido das redes no interior parauara. Lindo demais.
O enredo é centrado em Zurga, interpretado pelo barítono Leonardo Neiva, e Nadir, papel do tenor Fernando Portari, que disputam o amor da mesma mulher, a bela sacerdotisa Leila, vivida pela soprano Camila Titinger. Completa o grupo de solistas o baixo barítono paraense Andrey Mira, o sacerdote Nourabad, todos aplaudidíssimos de pé.